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História do Rio Grande do Sul - os primeiros habitantes

      Inicio aqui uma série de postagens sobre a História do Rio Grande do Sul. Quem já prestou Vestibular da UFRGS sabe que a universidade sempre cobra questões acerca da temática regional e não há muito material online sobre o assunto. Por isso, tratarei dos principais pontos desde os primeiros habitantes até a fase mais recente da história do estado. Dúvidas, sugestões e esclarecimentos, deixem um comentário que atenderei.

Mapa dos territórios Indígenas do RS.    
     A Banda Oriental, região que atualmente corresponde ao Rio Grande do Sul e Uruguai, tem seu território comprovadamente ocupado há pelo menos 12.000 anos, quando indígenas em tribos de vida nômade e semi-sedentária já transitavam pela região. Os guaranis eram os mais numerosos, a maioria oriunda da Amazônia há cerca de 2.000 anos. Eles ocupavam quase todo o litoral, a parte central do Estado até a fronteira atual com a Argentina.


Qualquer semelhança com a figura
tradicionalista do gaúcho não é mera
 coincidência. À esquerda,
 o guarani com sua boleadeira.
     Os guaranis, também chamados de tapes, arachanes e carijós, habitavam os vales dos rios e margens das lagoas, onde caçar e pescar era mais fácil. Suas armas eram o arco e flecha, o tacape, a lança e a boleadeira. Além da caça e pesca, coletavam moluscos, frutos e raízes e cultivavam milho, aipim (mandioca), feijão, abóbora e batata. Moravam em aldeias com, geralmente, três a seis ocas nas quais residiam diversas famílias com grau de parentesco entre si. Os tapes (missioneiros) ocupavam a região oeste e o centro da bacia do rio Jacuí. Os arachanes (ou patos) viviam às margens do lago Guaíba e oeste da Laguna dos Patos. Os carijós habitavam no litoral desde São José do Norte até Cananéia (sul do atual estado de São Paulo). Seu modo de vida era semelhante e, apesar de variados dialetos, o tupi-guarani era o tronco-linguístico comum desses grupos.

Corte de uma casa subterrânea     Os  (caingangues) haviam migrado para a Banda Oriental já no século II a.C. e ocuparam a região do planalto de leste a oeste - na divisa com Santa Catarina. Praticavam horticultura rudimentar, caça, pesca e coleta, não eram antropófagas e afalavam língua distinta do guarani, vivendo em pequenos grupos de 20 a 25 famílias. O principal produto que cultivavam era o milho.

      Uma característica marcante dos Jê eram suas casas "subterrâneas" cavadas no chão (imagem acima), em geral com cerca de dois metros de profundidade e cinco metros de largura, protegidas por uma espécie de telhado feito de galhos de árvores cobertos por ramos de palmeira.

Botocudos
     Além dos caingangues - grupo Jê mais numeroso - outros grupos Jê habitaram o território rio-grandense: coroados, ibijaras, gualachos, botocudos, bugres, caaguás, pinarés e guaianás. Os guaianás, inclusive, foram expulsos pelos guaranis da região que depois da Conquista veio a ser denominada Sete Povos das Missões.





      Por fim, os pampeanos, grupo étnico menos numeroso, ocupavam o sul e sudoeste do atual Rio Grande do Sul. Eram caçadores, pescadores e coletores. Viviam, em geral, nos campos e regiões com bastante água, onde havia abundância de recursos para a pesca e a caça. Não praticavam a agricultura. Suas armas eram a boleadeira, a lança e a flecha. Moravam em tendas e não se organizavam em aldeias com chefia. As tribos pampeanas mais conhecidas foram os charruas, guenoas, minuanos, chanás, iarós e mbohanes.



E após a Conquista?

     É sempre equivocado generalizar a reação dos nativos à Conquista europeia no final do século XV, pois ela aconteceu em períodos diversos (dependendo da época em que os europeus tiveram contato com cada grupo), de modos diferentes (com maior ou menor grau de violência) e o contato deu-se com "tribos" muitos distintas entre si. De modo geral, o choque cultural favoreceu muito mais aos europeus por diversos fatores:

  1. os europeus tinham superioridade bélica, ou seja, portavam armas - o que inviabilizou um embate com equidade de força com os nativos;
  2. os nativos desconheciam grupos humanos diferenciados de seu padrão de identidade gerando dificuldade de assimilar o impacto do "choque cultural". Por sua vez, os europeus já de loga data tinham contato com grupos humanos de outros continentes, com hábitos sociais, formas de organização e aspectos culturais diversificados;
  3. o contato com os europeus trouxe muitas doenças e a população nativa não possuía anti-corpos para contê-las. Assim, a varíola, doenças venéreas, sarampo e outras doenças viraram epidemias e exterminando populações inteiras;
  4. os confrontos com europeus levaram os nativos sobreviventes a fugir de suas terras e, com demora para adaptar-se às novas terras, muitos morreram de fome;
     Enfim, esses são alguns dos muitos fatores que contribuíram para a Conquista europeia. Todavia, houve resistência a dominação por parte da maioria dos grupos nativos. Os europeus só chegaram ao sul do Brasil no final do século XVI quando paulistas constituíram expedições já com a finalidade de escravizar, inicialmente, os carijós que habitavam a região litorânea do atual Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Eles resistiram e acabaram sendo, praticamente, dizimados. 

     No início do século XVII, os bandeirantes paulistas voltaram-se para os guaranis aldeados na região central do Rio Grande do Sul. Nessa época, jesuítas tentatam um trabalho de catequese que não durou muito. Obtiveram sucesso em 1627 quando o jesuíta espanhol Roque Gonzaléz percorreu a região do Tape e fundou as primeiras missões jesuíticas em uma população de cerca de 60.000 nativos. Em 1636, novas investidas paulistas desbarataram a primeira experiência missioneira no solo rio-grandense. Nesse período, havia uso compulsório do trabalho indígena em propriedades dedicadas à triticultura nas quais trabalhavam como "administrados" em troca de comidas, roupas e instrução religiosa. Somente no final do século XVII é que os jesuítas conseguirão efetivamente iniciar seu trabalho com os guaranis dando origem aos Sete Povos das Missões. Ocorreu ali um desenvolvimento populacional e econômico em meio a mestiçagem cultural.

     A situação muda com a Guerra Guaranítica (1754-56) quando houve destruição parcial e ocupação a região missioneira. Logo após a guerra, índios missioneiros foram levados para os Campos de Viamão onde viriam a formas a Aldeia dos Anjos, que foi um fracasso na prática. Outros índios das Missões formaram o aldeamento de São Nicolau, próximo a Rio pardo.

     Havia a possibilidade de alugar a mão-de-obra indígena nas fazendas de criação de gado e nas lavouras de trigo. Esse aluguel era controlado pelo administrador da Aldeia e foi responsável pelo esvaziamento dos aldeamentos, como foi o caso da aldeia de Nossa Senhora dos Anjos (onde hoje fica a cidade de Gravataí) que teve 1/3 de sua mão-de-obra apropriada pelos fazendeiros locais. Assim, além da ocupação das terras indígenas pelos colonizadores brancos, sua organização social e formas de produção foram desconstituídas para servir aos interesses econômicos dos europeus que se instalaram no continente. Vale dizer que os governos imperial e provincial viam o indígena como elemento povoador da zona fronteiriça com o Prata. Assim, interessava-lhes mantê-los vivos mas submetidos e controlados. Mas isso não ocorreu com todos os grupos. Os índios coroados, por exemplo, tinham aversão aos colonizadores brancos, a quem consideravam com toda razão usurpadores de suas terras e maiores inimigos, atacando-os sempre que podiam. Já os minuanos, por outro lado, tiveram maior ligação com os portugueses e foram os grandes fornecedores de gado aos tropeiros e estancieiros pioneiros do Continente. Talvez, por isso, eram considerados "os mais valorosos da campanha".

     No final do século XVIII, portugueses e espanhois ocuparam definitivamente o território, empurrando a população indígena (o que restara dela) cada vez para mais longe de centros litorâneos.

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