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História do Rio Grande do Sul - Os Sete Povos das Missões

     Instrumento importante da Igreja na Contra-Reforma, a Companhia de Jesus foi criada por Inácio de Loyola, em 1534 (oficializada pelo Papa Paulo III em 1540), com o objetivo de "recatolizar" as regiões convertidas ao protestantismo. Sua atuação na América foi marcante, mas estiveram, também, na Índia, China e Japão durante essa época. Na América Portuguesa, a atuação dos jesuítas iniciou-se em 1549 em Salvador - na América Espanhola iniciou em 1610.

     Nem sempre os jesuítas eram eficazes em sua conversão dos nativos. Após uma conversão inicial, marcada pelo batismo, muitos guaranis retornavam às suas práticas indígenas não sendo fieis às práticas e costumes cristãos. As reduções, no entanto, serviram à Coroa portuguesa, pois o "adestramento" dos nativos facilitava o acesso de mão-de-obra barata e abundante aos paulistas que tinham grande dificuldade de fazer cativos indígenas. Como eram hábeis agricultores, os tupi-guaranis eram "de grande valor". Todavia, os ataques dos bandeirantes às reduções jesuíticas transformaram-se num empecilho ao trabalho, levando os jesuítas a desistirem da evangelização nas serras do Tape (região noroeste do atual Rio Grande do Sul) e transferindo-se para o lado ocidental do rio Uruguai. Boa parte do gado daquela região foi deixado, o que viria a se tornar, posteriormente, uma importante fonte de atração e exploração econômica com o comércio do couro na zona que ficou conhecida como Vacaria del Mar.


Frente do Santuário de Caaró
     Ainda nessa fase inicial, tendo à frente o Pe. Roque Gonzales foram criadas as missões de São Nicolau (1626), São Francisco Xavier (1626), Nossa Senhora da Candelária (1627), Assunção do Ijuí (1628) e Caaró (1628). Dias após a fundação dessa última redução, Pe. Roque foi assassinado pelo cacique Nheçu, chefe de um grupo contrário às Missões. Com ele, foram mortos o Pe. Afonso Rodrigues e o Pe. João Castilhos. Os três são considerados mártires das Missões e são venerados até hoje no santuário construído na região de Caaró (foto ao lado). Após a derrota do cacique Nheçu, outros jesuítas puderam fundar mais doze reduções no território do atual Rio Grande do Sul, entre 1631 e 1634. Após a morte dos padres, os jesuítas passaram a preocupar-se mais com defensiva, armando melhor os índios que acabaram por derrotas os paulistas na batalha de Mbororé (1641).

     Vale lembrar que essa primeira fase das missões jesuíticas estavam sob as ordens da Coroa Espanhola que passou a preocupar-se com as investidas de Portugal na região através da fundação da Colônia de Sacramento. A Colônia preocupava as autoridades espanholas e jesuítas pois eram recentes ainda as atrocidades cometidas pelos bandeirantes e que determinaram a saída da região do Tape. Outro temor da Coroa Espanhola era uma possível intenção portuguesa em instalar a Colônia de Sacramento em frente a Buenos Aires visando invadi-la no futuro. Assim, a Companhia de Jesus iniciou a 2ª fase de suas missões formando novas reduções que constituíram os Sete Povos das Missões, entre 1682 a 1706. Assim, as missões serviam como instituição de fronteiras garantindo as possessões espanholas na região do Prata.

     A primeira redução fundada nessa nova fase foi a de São Francisco de Borja (futuro município de São Borja) e contava com quase 3.000 habitantes. Em 1687, foi fundada a redução de São Luiz Gonzaga e refundadas as missões de São Nicolau e São Miguel Arcanjo, ambas abandonadas após ataques de bandeirantes na 1ª fase das missões jesuíticas na região. Nos anos seguintes, foram fundadas as reduções de São Lourenço, São João Batista e Santo Ângelo.

     No funcionamento interno das Missões, tínhamos o Cabildo Indígena - espécie de Câmaras - no qual os caciques exerciam papel de comando, sob a coordenação dos jesuítas. Essa articulação dos religiosos com os nativos permitiu à região missioneira transformar-se em um conjunto complexo, com administração autônoma e quase auto-suficiente em termos econômicos. O auge das Missões ocorreu em 1732, quando o contingente populacional era de quase 40.000 pessoas. Após esse ano, epidemias de varíola consumiram boa parte da população indígena dizimando metade dos moradores da região até 1740.

     A "paz" entre portugueses e espanhóis acabou com o Tratado de Madri, em 1750. Pelo Tratado, a Espanha entregaria os Sete Povos à Portugal em troca da Colônia de Sacramento. Com isso, os indígenas - em sua maioria guaranis - que residiam nos Sete Povos deveriam se transferir para a Colônia de Sacramento. Tinha chances de isso dar certo, sem maiores problemas? Claro que não! Basta olhar o mapa (ao lado) e notar a distância entre os Sete Povos e a Colônia de Sacramento. Com a resistência dos guaranis a deixarem suas terras, a Coroa portuguesa enviou tropas para garantir a demarcação das terras de acordo com o que fora acertado pelo Tratado. O conflito que ficou conhecido como Guerra Guaranítica eclodiu em 1754 e durou dois longos anos.

Estátua em homenagem a Sepé Tiaraju
     O principal líder guarani foi Sepé Tiaraju que declarava com firmeza: "Essa terra tem dono! Ela nos foi dada por Deus e por São Miguel!" Mas a firmeza de Sepé não foi páreo para a violência dos exércitos portugueses que, após muitas batalhas, mataram Sepé no início de 1756 e dias depois, na sangrenta batalha de Caiboaté, 1.500 índios foram dizimados. E o conflito foi em vão pois o Tratado de Madri acabou sendo anulado - na prática, logo após a guerra, mas efetivamente com o Tratado de El Prado, de 1761. Dado o desinteresse das monarquias ibéricas na efetivação do Tratado de Madri, nem mesmo chegou a ocorrer a demarcação das terras. Pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777), os Sete Povos permaneceriam com os espanhóis. Vale destacar da guerra que, os índios "infiéis" charruas e minuanos, apesar de inimigos dos guaranis, auxiliaram-nos na guerra atuando como espiões, vigias e informantes.

     A terra continuou para os guaranis, mas a situação dos jesuítas ficava cada vez mais complicada. Nas reformas impostas pelo Marquês de Pombal, os jesuítas acabaram expulsos das terras portuguesas em 1759 - Pombal temia o avanço do poder na mão dos religiosos e via na sua expulsão um incremento de poder para a Coroa. A Espanha fez o mesmo em 1768, expulsando os jesuítas de suas terras. Com isso, as Missões passaram para administração civil e entraram em franca decadência com os indígenas sendo subjugados ou dispersos.

     Em 1801, quando houve o Tratado de Badajós, a desintegração dos Sete Povos já era tamanha que não foi difícil a anexação do território pelos luso-brasileiros. O mestiço Manuel dos Santos Pedroso articulou o acordo.

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