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Guerra da Cisplatina

     Quem tem acompanhado a série de postagens sobre a história do Rio Grande do Sul já deve ter notado que é impossível entendê-la dissociada do contexto da Bacia do Prata. É inegável a ligação da região - que hoje equivalem ao Uruguai e a Argentina - à formação histórica do RS. O próprio personagem do gaúcho tradicionalista é um misto de argentino, uruguaio, índio, negro, português e espanhol - não necessariamente nessa ordem. Ou seja, o gaúcho é fruto de toda essa "mistura" cultural, social, étnica e política.

     A situação já tumultuada da região ficou mais intensa após a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808. Com a família real no Brasil, a metrópole interiorizou-se na colônia, promovendo maior centralização do poder decisório e acentuou-se a atração exercida pela região da Cisplatina. Antes de mais nada, vamos comparar o território do Brasil de 1709 com o Brasil de 1821, nos mapas abaixo:

File:Brazil states1709.png
1709


     Como a série de postagens é sobre o Rio Grande do Sul não vamos abordar aqui a divisão do Nordeste e Sudeste em vários estados, mas concentrar na região Sul. Após a chegada da família real, um alvará de 1812 estabeleceu que o Rio Grande do Sul adotaria o nome de Capitania de São Pedro do Rio Grande, integrando a Comarca de São Pedro e Santa Catarina A Província da Cisplatina, inexistente no mapa do século XVIII, integrava o Brasil do início do século XIX. Para entender como isso ocorreu é importante entender o contexto político da região do Prata no início do século XIX, mais do que apenas analisar a Guerra da Cisplatina em si.
José Artigas

     A Província do Rio da Prata tornou-se independente da Espanha em 1810. Nessa época, a disputa na província era entre Unitários (ou Centralistas) e os Federalistas. Os Unitários queriam Buenos Aires e Montevidéu liderando e subjugando o interior. Já os Federalistas defendiam a ampla autonomia para as Províncias Unidas do Rio da Prata e tinham José Artigas como seu maior representante. Artigas não tinha formação intelectual apurada e não pertencia à elite local. Ele fora peão de estância e contrabandista na fronteira com o Continente de São Pedro. Foi ele quem liderou as tropas contra os espanhóis e era um líder político e ideológico. Todavia, algumas de suas ideias eram temidas entre seus conterrâneos e entre os estancieiros do Continente de São Pedro. As temidas ideias de Artigas como acontece até hoje quando se tenta mexer nos privilégios de quem mais tem diziam respeito à reforma agrária e a limitação à ação de comerciantes estrangeiros nos portos. Seu discurso quanto à reforma agrária era bastante radical para a época e para muita gente nos dias de hoje: defendia a divisão das enormes propriedades locais entre índios, negros libertos e brancos pobres.

     A Coroa Portuguesa temia que as ideias federalistas de Artigas influenciassem os gaúchos e passou a investir contra sua liderança na região do Prata - vale lembrar que Bento Gonçalves foi um dos que mais se "encantou" com as ideias de Artigas. Por isso, já em 1811, quatro mil soldados luso-brasileiros foram enviados para guerrear contra Artigas. Em 1816, a elite de Buenos Aires e Montevidéu apoia implicitamente a Coroa Portuguesa na guerra contra o federalista. A região acabou sendo incorporada ao Império sob o nome de "Província Cisplatina" e Artigas foi oficialmente derrotado em 1820.

     A guerra e a incorporação da Cisplatina ao território do Império luso-brasileiro beneficiaram a elite sul-riograndense com a ocupação do norte da banda Oriental e a instalação de comerciantes do Continente de São Pedro em Montevidéu. O porto de Rio Grande passou a ser o mais importante porto local. Aos poucos, os brasileiros vão se tornando parceiros indesejáveis e a Guerra da Cisplatina estoura em 1825. Na guerra, o Brasil recém-independente teve de enfrentar as tropas rebeldes orientais e a Confederação Argentina. Os platinos não aceitavam a dominação luso-brasileira sobre a região e as desvantagens que vinham sofrendo desde sua incorporação ao Império - nem mesmo falavam português, ou seja, eram um "estranho no ninho". O Brasil, recém-independente, não possuía ainda um exército sistematizado e outras revoltas eclodiam no país na mesma época. Dom Pedro I não conseguiu conter a ação dos rebeldes do Prata e foi forçado a reconhecer sua independência, em 1828, com a criação da "República Oriental do Uruguai". De certo modo, o desgaste causado pela derrota nessa guerra contribuiu para minar a imagem já desgastada do imperador que acabou abdicando em 1831.

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