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Escravidão Indígena e Africana no Rio Grande do Sul

     Os primeiros povoadores (vindos de Laguna) eram proprietários de índios administrados, um subterfúgio legal para disfarçar a situação de cativeiro dos nativos. Em 1758/59, a escravidão indígena foi formalmente proibida, mas continuou ocorrendo no século XIX até pelo menos a década de 1860, envolvendo interesses de fazendeiros, autoridades locais e até mesmo dos bugreiros, que utilizavam os índios em trabalhos nas suas plantações, estâncias e engenhos. Aliás, só pra provocar o hábito gaúcho de tomar chimarrão vem dos indígenas. A palavra chimarrão, inclusive, tem origem na língua espanhola e está associado a xucro, bárbaro, bruto.

     Embora fosse recorrente o uso da mão-de obra indígena no Rio Grande do Sul, já a partir do século XVIII houve predomínio da escravidão africana. Nos Campos de Viamão, em 1751, 42% da população era de escravos africanos e 3% de escravos indígenas. Esse percentual era semelhante ao das zonas mineradoras ou de plantation. Em média 2/3 das residências possuíam escravos, cada uma com cerca de quatro escravos. 75% dos escravos eram homens. Na verdade, os homens eram maioria mesmo na população livre, na qual havia dois homens por mulher - índice que elevava o número de solteiros no Continente de São Pedro.

     A escravidão indígena era uma opção desinteressante no momento diante da oferta de cativos africanos a baixo preço. Havia escravos que trabalhavam como capatazes das fazendas, outros como peões (sem feitor). Havia também muitos escravos que constavam no censo como ausentes, devendo estar participando das tropas de gado que eram levados para São Paulo ou Minas Gerais. Eles deviam voltar aos seus proprietários para receber recompensas financeiras que lhe permitissem a compra de sua liberdade (gerando paz nas senzalas).

     Mesmo antes das charqueadas havia uma difusão muito grande da escravidão africana no Rio Grande do Sul. Mas ainda perdura a ideia de que, no Rio Grande do Sul, quase não houve escravidão africana e, aquela que ocorreu, foi muito mais "humana" do que no resto do país. Isso não condiz com a documentação do período. Mesmo as lendas do Sul já mostra o contrário: o Negrinho do Pastoreio teria sido um menino-escravo que perdeu um cavalo da estância e, como castigo, fora torturado por seu patrão até quase morrer quando fora salvo por Nossa Senhora. Em 1780, o censo apontava a existência de mais de 5 mil negros, o equivalente a 28% da população gaúcha.

    Em 1635 já havia registro da presença africana na região - antes do início da colonização portuguesa - pelo fato de a região do Prata ser parte da rota do tráfico negreiro promovido por espanhóis. Mas, foi após 1730 que a entrada forçada de negros no Rio Grande do Sul ocorreu em maior intensidade. Os africanos (e descendentes) que chegaram ao Continente de São Pedro, de 1737 a 1853, eram das culturas sudanesa e banto e se denominavam angolas, congos, minas e moçambiques. Na Guerra dos Farrapos (1835-45), os afro-gaúchos representavam de 1/3 a metade de todo o contingente do exército rebelde. Boa parte dos negros que lutaram na Guerra não eram vindos da África mas crioulos, ou seja, descendentes de africanos já nascidos aqui no Continente.

     Os negros que chegavam ao sul do país vinham do Rio de Janeiro (88% até final do século XVIII) onde desembarcava a grande maioria nos navios negreiros, mas também vinham escravos da Bahia, Pernambuco e Santa Catarina. O preço médio de um escravo no final do século XVIII era de 100.000 réis - o valor variava em relação ao sexo, idade e condições físicas do cativo mas, escravos eram mais caros que escravos. O valor de um escravo aumentou muito em Porto Alegre ao longo do século XIX: chegou a 700.000 réis na primeira metade do século, mas chegou ao seu valor máximo após 1850 quando o tráfico negreiro ficou proibido e foi necessária a compra/venda de escravos dentro do território brasileiro. Após a Lei Eusébio de Queirós proibir a importação de escravos, o valor de um cativo subiu absurdamente e chegou a 1.345.000 réis, em 1874. Embora o valor fosse alto, os escravos vendidos em Porto Alegre eram mais baratos que um escravo vendido no Rio de Janeiro, por exemplo.

  
Aquarela de Debret intitulada
“Escravo negro conduzindo tropas
na Província do Rio Grande”.
  Quantificar o número exato de escravos que vieram para o Continente de São Pedro é tarefa muito complicada dada a grande quantidade de fontes onde essas dados ficaram registrados, o que pode gerar equívocos diversos. Dados confiáveis teriam que ser analisados a partir de cada arquivo. Por exemplo, de acordo com o Arquivo Histórico Ultramarino, entre 1792 e 1822, foram 19.443 escravos que chegaram ao território do atual Rio Grande do Sul. E os escravos que vinham para cá eram africanos ou crioulos? Cerca de 90% deles eram africanos. A grande maioria eram escravos novos, ou seja, não dominavam o português e só se comunicavam em sua língua materna (cerca de 80%). O restante era formado por escravos ladinos, que já sabiam se comunicar em português. 

     No período entre 1790 e 1825, a população escrava que vivia na região era predominantemente masculina (77%), os adultos eram maioria (62%), mas era grande o número de escravos com menos de 15 anos (27%) e baixa quantidade de escravos com mais de 60 anos (11%). Apesar da maioria dos escravos que chegaram ao território pelo tráfico serem africanos, era proporcional a quantidade de crioulos e africanos ao longo desse período.

     Para os que querem negar a influência da cultura africana no Rio Grande do Sul, a música tradicionalista tem influência do ritmo africano. A "vanera", por exemplo, não é uma dança originalmente "gaúcha". A vanera é uma dança cubana que foi para a Espanha e depois voltou ao Estado chamada de "vanerão". A "polca" é uma música polaca com influência africana. A "milonga" só tem esse esse nome por que os negros usavam o verbo "milonguear" que significava "falar". Outros africanismos estão presentes no linguajar do gaúcho brasileiro: angico, banzo, bocó, bugiganga, caçula, cafundó, cambada, japona, marimbondo são palavras oriundas da África. Na culinária, o doce de coco, a canjica e o quibebe são comidas africanas. Isso reforça duas coisas: 1) o "gaúcho" criado pelo tradicionalismo não existe: ele é resultado da fusão entre as culturas portuguesa, espanhola, africana e indígena, sem citar outras influências menores; 2) é incoerente qualquer preconceito com a cultura negra para alguém que se considera gaúcho.

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