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A economia do Rio Grande do Sul colonial (séculos XVIII e XIX)

     A produção de trigo e a atividade pecuária inseriram economicamente o Rio Grande do Sul no mercado interno brasileiro, com estímulo da própria Coroa que visava integrar definitivamente a região no império ultramarino português.

     A triticultura foi  atividade econômica que provocou o enriquecimento e a ascensão social de alguns açorianos (auge entre 1787 e 1813), inclusive com acesso à mão-de-obra africana. Embora já houvesse incentivo da Coroa para a produção de trigo em terras brasileiras, foi somente no solo gaúcho que a cultura encontrou solo apropriado e foi após 1781 que os brancos ocupantes da região tiveram interesse em investir na plantação. Na época, o litoral era a área de maior produção com 41% da área cultivada e 45% da safra. Se, em 1781, a colheita foi de 1.455 toneladas, em 1816 atingiu 10.800 toneladas de trigo. A maior parte desse trigo ia para o Rio de Janeiro. Há, inclusive, um registro de exportação do trigo para a Metrópole.

     Vários fatores contribuíram para a crise da triticultura no início do século XIX: a concorrência do trigo estadunidense, o recrutamento de agricultores para as tropas e serviço militar, a inexistência de armazéns e a ferrugem, uma praga que rapidamente dizimou trigais. Em 1823, não se plantava mais trigo no Rio Grande do Sul, produção essa já retomada no século XX.

     A pecuária caracterizou-se, inicialmente, pela preia do gado selvagem. Com a descoberta do ouro em Minas Gerais, o Rio Grande do Sul inseriu-se na economia colonial como fornecedor de gado bovino, cavalar e muar para Minas. A importância do gado sulino fez com que os tropeiros (paulistas e lagunistas) viessem buscar o gado em pé para levá-lo às Minas. A fase áurea da pecuária sulina foi entre 1690 e 1730. Após essa fase, teve início o processo de formação das estâncias, nas sesmarias concedidas pela Coroa. Enquanto isso, os portugueses da Colônia continuaram caçando o gado da Banda Oriental para a extração do couro. Vale assinalar as diferenças entre o Sul e o centro do país nessa época: por aqui, vida tipicamente rural, sociedade militarizada, economia dependente e complementar à do centro e voltada a um mercado interno em formação.

Imagem de uma charqueada
     A segunda fase da pecuária gaúcha deu destaque ao charque. A primeira charqueada comercial, voltada para a exportação, foi montada por José Pinto Martins às margens do arroio Pelotas, em terreno cedido pelo governo. O que estimulou a produção de charque no Sul foram a situação de paz decorrente do Tratado de Santo Ildefonso (1777), as secas no Nordeste e o aumento populacional do centro e nordeste do brasil. O charque produzido no Rio Grande do Sul tinha como principais destinos o Rio de Janeiro, a Bahia e Pernambuco. Para se ter uma ideia da importância da pecuária para a economia gaúcha, entre 1790 e 1815, o setor respondia por 70% das exportações da capitania - os 30% restantes correspondiam a outros gêneros alimentícios como trigo e queijos. 

     O charque gaúcho, com baixo preço e pouco lucro, passou a sofrer com a concorrência do charque nordestino e platino. Foram duas fases:
  • 1780 a 1810: supremacia do charque platino - maior tecnologia, facilidade de obtenção e de transporte;
  • 1810 a 1828: supremacia do charque gaúcho - período do crise política do Prata duplicou a produção gaúcha.
     Como consequência da produção do charque, tivemos a valorização do rebanho bovino e o aumento do número de escravos africanos (e, logo, o crescimento da dependência em relação aos traficantes de escravos).


      O charqueador era um comerciante que necessitava de um capital maior que o de um estancieiro pois precisava investir em escravos e em insumos como o sal. no mercado regional, os lucros maiores eram dos charqueadores, em prejuízo dos criadores de gado. Pelotas foi o grande centro charqueador gaúcho por sua localização estratégica, próxima ao porto de Rio Grande. 

     A produção de charque, no entanto, tinha diversas limitações: a inexistência de cercamento dos campos (facilitando o contrabando), a falta de uma política protecionista, a dificuldade de escoamento pelo porto de Rio Grande e forte concorrência do charque platino que dispunha de ferrovias para escoar o produto e tinha seus campos cercados.

     No Planalto gaúcho (Cruz Alta, Passo Fundo...) foi muito forte a produção e o comércio de mulas (cruza de cavalo/égua com jumento/jumenta), um animal extremamente valorizado em meados do século XIX, destinado à feira de Sorocaba, em São paulo. Ainda havia a atividade extrativista na exploração dos ervais. A produção de erva-mate, principalmente de Cruz Alta, abastecia o mercado interno regional e a região do Prata. Era uma produção de baixo custo mas, também, de baixa qualidade.

    No final dessa postagem, quero agradecer aos mais de 80.000 acessos ao blog. É uma grande recompensa... Muito obrigado!

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