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História do Rio Grande do Sul - Fronteiras em movimento

     Quem curte estudar com a ajuda de mapas - um método muito bom! - já deve ter catado mapas do Rio Grande do Sul nos séculos XVII, XVIII... Bem, vamos recordar que ainda não existia o Rio Grande do Sul propriamente dito. Se formos um pouco mais longe, nessa época nem mesmo Estados nacionais ainda eram unificados e territorialmente definidos. A Itália, por exemplo, só virou a Itália que conhecemos em 1870. E a Alemanha, em 1871. A unificação territorial visa garantir a existência jurídica de um Estado que, a partir daí passa a ser gerido econômica, social e politicamente de modo autônomo ao de seus vizinhos e integrado dentro de suas fronteiras. Todavia, isso não se aplica para o Rio Grande do Sul no período colonial brasileiro. O mais correto seria pensarmos o espaço fronteiriço como uma fronteira em movimento, com intensa circulação de homens e de mercadorias, em um contexto demográfico bastante heterogêneo e numa conjuntura de instabilidade política.



     A presença de espanhóis e de hispano-americanos era frequente nos territórios da Banda Oriental. Na freguesia de Viamão, por exemplo, cerca de 10% dos batizados entre 1747 e 1759 eram de origem hispânica. Esses, inclusive, podiam ocupar cargos nas Câmaras e atuar comercialmente no território. Sua principal atividade estava associada à pecuária como fornecedores de mão-de-obra especializada, tropeiros ou carreteiros. Alguns ascenderam socialmente chegando a se tornarem estancieiros. Assim, a região era, na época, um espaço de convivência e articulação entre zonas produtoras e mercados consumidores, integrando as esferas hispânicas e lusitanas na América Meridional. Mas, se aqui o clima era, relativamente, amigável entre portugueses e espanhóis, não podemos dizer o mesmo das Coroas Portuguesa e Espanhola. Desde o final do século XV, uma série de tratados foram assinados. Vamos a eles.

1494 - Tratado de Tordesilhas


     Por esse Tratado, o atual território do Rio Grande do Sul pertencia aos espanhóis.

     Em 1580, devido a crise sucessória após a morte de Dom Sebastião (1578), o rei da Espanha, Felipe II, assumiu a Coroa portuguesa. Durante o período em que ocorreu a União Ibérica (1580-1640) - ou seja, quando Portugal e Espanha estavam sob uma única coroa -, os portugueses instalaram-se em Buenos Aires com o interesse de captar, por contrabando, parte da produção de Prata advinda de Potosi.

     Em 1640, os Bragança conquistaram a independência de Portugal. Os portugueses foram expulsos de Buenos Aires e exigiam da Coroa a criação de uma nova colônia no Prata que só veio a ocorrer em 1680, pois a Coroa portuguesa estava às voltas na Europa com a guerra pelo reconhecimento da autonomia lusitana e, no Nordeste, com a invasão holandesa. Em 1680, ocorreu a 1ª fundação da Colônia de Sacramento, estrategicamente situada na frente de Buenos Aires. Usando a Colônia como "moeda de troca", os portugueses acabaram por conseguir expulsar  os jesuítas espanhóis e expandir rumo ao oeste. No mesmo ano, portugueses e índios guaranis missioneiros (chefiados pelos jesuítas) brigaram pela posse da Colônia que, em 1681, foi garantida pelos portugueses. Com base na triticultura e no comércio de couro, a povoação começou a ter um desenvolvimento considerável. 


     Em 1704, os espanhóis expulsaram os portugueses da Colônia de Sacramento. Mas, em 1716, após a assinatura do Tratado de Utrecht, a cidadela era devolvida aos portugueses e ocorria sua 2ª fundação. Foi um período de grande esplendor econômico e social para a Colônia de Sacramento: haviam 1.440 habitantes sendo 400 militares, 400 mulheres, 300 escravos e mais os moradores que, em sua maioria, desempenhavam funções de lavradores, mercadores e artesãos. O sucesso da Colônia de Sacramento levou os espanhóis a fundarem a cidade de Montevidéu em 1726, visando conter a expansão lusitana. O mapa ao lado é recente, não é do século XVIII, mas mostra a localização de Montevidéu no Rio da Prata pertinho da Colônia de Sacramento. Do outro lado do rio, está Buenos Aires. 

     Após a fundação de Montevidéu, a situação foi ficando mais tensa para os portugueses presentes na região. Em meados da década de 1730, a Colônia de Sacramento já havia dobrado sua população e se sustentava pelo comércio e a agricultura. Em 1750, a assinatura do Tratado de Madri redefiniu as terras pertencentes a Portugal e Espanha. Com a nova demarcação, a Colônia de Sacramento passou para o domínio dos espanhóis e os Sete Povos das Missões passou às mãos dos portugueses.

     O Tratado de Madri, no entanto, não agradou nem aos portugueses de Sacramento nem aos espanhóis dos Sete Povos que tiveram de engolir o troca-troca imposto pelas Coroas. Os portugueses estavam muito contentes com o sucesso da Colônia de Sacramento e o mesmo pode-se dizer dos espanhóis com as reduções jesuíticas. A insatisfação de ambos deu origem à Guerra Guaranítica, o que fracassou a desocupação da região. Para conter os conflitos, o Tratado de El Pardo (1761) foi assinado para anular o Tratado de Madri. Mas os conflitos não se resolveram. Em outubro de 1762, tropas espanholas saídas de Buenos Aires invadiram a Colônia de Sacramento e, após mais de vinte dias de batalha, os portugueses da Colônia renderam-se e Sacramento é ocupada pelas forças espanholas. No ano seguinte, os espanhóis querendo invadir geral tomaram a vila do Rio Grande, saqueando a cidade. Por causa da invasão de Rio Grande, a capital (e todo seu aparato burocrático) foi transferido para Viamão e quase 80% da população fugiu da cidade.

     Para conter as hostilidades, foi assinado, em fevereiro de 1763, o Tratado de Paz de Paris no qual a Colônia de Sacramento era devolvida aos portugueses, enquanto os espanhóis continuavam dominando os dois lados do canal de acesso à Lagoa dos Patos - incluindo a vila de Rio Grande. E isso colocou fim aos conflitos? Claro que não. Sacramento, Rio Grande e os Sete Povos eram cidadelas muito promissoras, já bem estruturadas, organizadas e em ótima fase. Portugal e Espanha se engalfinharam por causa delas por muito tempo ainda.
     A situação só ficou, relativamente definida com o Tratado de Santo Ildefonso (1777) quando a Colônia de Sacramento foi entregue à Espanha. Os portugueses tiveram de se contentar com Rio Grande. A região missioneira continuou espanhola mas, nessa época, já não era mais administrada pelos jesuítas mas por civis. Em 1801, os territórios missioneiros foram incorporados ao espaço luso-brasileiro. Mas, sobre os Sete Povos falarei na próxima postagem. 


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