Pular para o conteúdo principal

A Guerra do Paraguai (1864-1870)

     Antes de falar propriamente do conflito, vamos recordar que o antigo Vice-Reinado do Rio da Prata não sobreviveu como unidade política ao fim do colonialismo espanhol. Com as independências americanas, nasceram, naquele espaço territorial após longos conflitos, a Argentina, o Paraguai, a Bolívia e o Uruguai. 
Independências latino-americanas

     A República Argentina surgiu depois de muitos vaivéns e guerras em que se opunham os unitários e os federalistas. Os unitários defendiam um modelo de Estado centralizado, sob o comando da capital do antigo vice-reinado, Buenos Aires. Seus principais defensores eram os comerciantes da capital que, assim, poderiam assegurar o controle do comércio exterior argentino e apropriar-se das rendas provenientes dos impostos alfandegários sobre as importações. Já os federalistas reuniam as elites regionais, os grandes proprietários, pequenos industriais e comerciantes mais voltados para o mercado interno. Defendiam o Estado descentralizado para que suas rendas fossem garantidas e não se submetessem a impostos estabelecidos pela burguesia comercial de Buenos Aires.

     Quanto ao Uruguai, tratamos de sua independência na postagem sobre a Guerra da Cisplatina, mas não podemos dizer que sua história foi pacífica. Ao contrário, blancos e colorados disputavam violentamente o poder. Os colorados ligavam-se aos comerciantes e às potências europeias, simpatizando com  as ideias liberais. Os blancos, compostos principalmente de proprietários rurais, herdaram a tradição autoritária espanhola e viam com suspeita os avanços das novas potências europeias no país - leia-se Inglaterra.


      Os paraguaios, descendentes em grande número de índios guaranis, proclamaram sua independência em 1811, mas não tiveram sua autonomia reconhecida pelos portenhos, que em 1813 praticamente impediram o comércio do país com o exterior bloqueando seu acesso ao mar. O bloqueio levou o líder paraguaio José Gaspar de Francia a isolar o país e a converter-se em seu ditador perpétuo, isolando setores ligados à elite de Buenos Aires.

     O ditador Francia expropriou terras da Igreja e de setores aliados à elite portenha e transformou-as em estâncias exploradas pelo Estado ou por pequenos arrendatários. Nessas estâncias, utilizava-se mão-de-obra escrava ou prisioneiros. A economia, em virtude do bloqueio, deixou de ser monetária: tanto a renda da terra como os impostos passaram a ser pagos em produtos, sem a utilização de moeda.

     Após a morte de Francia, Carlos Antonio López foi designado presidente e proclamou formalmente a independência do Paraguai em 1842. Ele procurou romper o isolamento do país, instalando uma ferrovia e estimulando o comércio exterior. Seu filho, Francisco Solano López, foi enviado à Inglaterra onde comprou material de guerra e recrutou técnicos europeus para auxiliarem na modernização do país. Foi num quadro de crescimento interno e do mercado externo que Solano López ascendeu ao poder em 1862, depois da morte de seu pai.

     "E o Brasil com isso tudo?", você pode estar se perguntando. Bem, o governo imperial tinha alguns medos tipo a Regina Duarte. A maior preocupação era com a unificação da Argentina e seu projeto de unir-se aos vizinhos formando uma grande confederação e, junto, atrair a inquieta província do Rio Grande do Sul. No Uruguai, sempre houve uma política de influência brasileira no país. Como já citei em outras postagens, os gaúchos tinham interesses econômicos no país vizinho como criadores de gado e viam com maus olhos as medidas de repressão ao contrabando na fronteira. O governo imperial chegou a fazer um acordo secreto com os colorados, adversários de Rosas.  Com o Paraguai, o governo imperial manteve uma relação dúbia: quando a rivalidade com a Argentina aumentava, o Império se aproximava do Paraguai; quando as coisas se acomodavam, as divergências entre os dois países ficavam mais evidentes. Os principais atritos diziam respeito a questões de fronteiras.

      Bom, com tudo que já vimos até aqui parece remota uma aliança Brasil-Argentina-Uruguai contra o Paraguai, certo? Errado. Foi isso o que aconteceu! Tudo mudou com a chegada de Bartolomé Mitre ao poder na Argentina (1862). O unitário foi eleito presidente, aproximou-se dos colorados uruguaios, era bem visto pelos liberais brasileiros e se tornou um defensor da livre navegação dos rios. Se Brasil e Argentina estavam em lua-de-mel, quem se ferra? Sim, o Paraguai. O governo imperial queria de Solano López uma postura semelhante à de Mitre, com a livre navegação pelo rio Paraguai, que dava acesso ao Mato Grosso. Mas, Solano López preferiu buscar um protagonismo maior na região e aliou-se aos blancos e aos adversários de Mitre (os líderes das províncias argentinas de Entre-Ríos e Corrientes.

     Sobre o Império brasileiro é importante recordar que o governo estava envolvido em vários incidentes com a Inglaterra, conhecidos como "questão Christie", e o Brasil rompeu as relações diplomáticas com o país europeu no início de 1863. O clima patriótico da época falou alto e o Brasil invadiu o Uruguai (setembro de 1864), onde os blancos estavam agindo com violência contra cidadãos brasileiros. A invasão visava reconduzir os colorados ao poder no país vizinho. Foi quando Solano López decidiu envolver-se na briga e aprisionou um navio brasileiro no rio Paraguai, levando ao rompimento diplomático entre os dois países. às vésperas do Natal de 1864, López lançou uma ofensiva contra Mato Grosso. Logo depois, pediu à Argentina para passar com suas tropas pela província de Corrientes visando atacar as forças brasileiras no Rio Grande do Sul e no Uruguai. O pedido foi negado. Aí você deve estar se perguntando onde Solano López estava com a cabeça?



     Sim, Caetano, o Solano López fez uma loucura! Ele apostou na velha rivalidade entre Brasil e Argentina, mas não contou com o risco de os dois países unirem-se contra ele! O que ele queria era transformar o Paraguai em uma força no jogo político do continente. Mas apostou alto demais! Pensou que vencendo uma batalha no desguarnecido Mato Grosso faria um acordo com o Brasil e, de quebra, conseguiria o apoio dos blancos uruguaios e das províncias adversárias de Mitre. Mas, se deu mal. No Uruguai, o governo imperial brasileiro conseguiu colocar os colorados no poder, com Venâncio Flores. Acuado, Solano López declarou guerra à Argentina em março de 1865 e, em maio, os governos argentino, brasileiro e uruguaio assinaram o Tratado da Tríplice Aliança. E o Paraguai se ferrou!

     O peso econômico e demográfico dos três países da aliança era muito superior ao do Paraguai. A Tríplice Aliança, no entanto, se enganou ao pensar que a guerra seria um passeio. López estava, militarmente, bem preparado para a guerra. Vamos aos números de efetivos dos exércitos no início da guerra:
Brasil - 18 mil homens
Argentina - 8 mil homens
Uruguai - mil homens
Paraguai - 64 mil homens + 28 mil da reserva

Batalha do Riachuelo
     Mas as forças da Tríplice Aliança cresceram com o decorrer dos anos. Só a tropa brasileira tinha um número entre 135 mil e 200 mil homens. Esses eram do exército regular, dos batalhões da Guarda Nacional e gente "recrutada" à força. Além disso, muitos foram integrados no corpo dos Voluntários da Pátria. Senhores de escravos também cederam cativos para lutar como soldados. Uma lei de 1866 concedeu liberdade aos "escravos da Nação" que servissem no Exército.

     A maioria das batalhas ocorreu em território paraguaio.

     A nomeação de Caxias para o comando das forças brasileiras (outubro de 1866) alterou os rumos da guerra. No início de 1868, Caxias assumiu o comando das forças aliadas, até então comandadas por Mitre (Argentina). Daí para a frente, o Brasil prosseguiu no conflito praticamente sozinho. Caxias dotou o exército brasileiro de uma infra-estrutura adequada, permitindo o avanço do Brasil sobre o Paraguai e a entrada em Assunção em janeiro de 1869, quando retirou-se do comando e foi substituído por conde d´Eu, marido da princesa Isabel.

     O Paraguai já estava arrasado quando as tropas brasileiras derrotaram um último e pequeno exército de paraguaios, formado por velhos, meninos e enfermos. Solano López foi cercado e morto por soldados brasileiros em 1º de março de 1870. A guerra acabou.

     O Paraguai perdeu muito com a guerra. Parte de seu território foi "cedido" ao Brasil e à Argentina, como mostra o mapa ao lado. Além disso, a guerra freou o processo de modernização do país e afetou gravemente suas exportações. Mas, a grande perda foi a humana. Metade da população paraguaia morreu na guerra. Foram mais de 175 mil paraguaios mortos nas batalhas. Praticamente, só restaram velhos, mulheres e crianças no país. 

     O Brasil, por sua vez, terminou a guerra bastante endividado com a Inglaterra, com quem reatou relações diplomáticas. As dívidas foram relativas à compra de armamentos para a guerra. O Exército brasileiro saiu mais forte da guerra, pois ganhou com infra-estrutura e prestígio junto ao governo imperial. As forças armadas gaúchas, no entanto, mostraram sua fragilidade frente ao moderno exército paraguaio e, diferente de outros conflitos no Prata onde entrava na guerra praticamente sozinha, precisou do apoio do Império.

     E não posso encerrar essa postagem sem falar da presença negra na guerra. Foram muitos os negros que lutaram junto às tropas brasileiras na expectativa de conseguir sua liberdade. Há quem diga que a Guerra do Paraguai fora uma investida do Império para liquidar com a presença negra no Brasil, visando um embranquecimento da população. De fato, muitos escravos morreram em combates - digamos que eles eram a ponta de lança, a comissão de frente das tropas. A charge ao lado é ilustrativa pois, ao se falar de Guerra do Paraguai, parte da historiografia "esquece" de ressaltar a importância do negro no conflito. E, diga-se de passagem, foi a guerra quem criou um problema moral para o Império, pois o Brasil era o único país no conflito que ainda mantinha a escravidão, o que foi motivo de zombaria por seus adversários e mesmo aliados. Se isso influenciou para o fim da escravidão, para alguma coisa boa serviu a guerra. Mas os fins, para mim, não justificam os meios.

Comentários

Postar um comentário

Comente a vontade... e com respeito, claro!

Postagens mais visitadas deste blog

A Direita na Europa

Se a América Latina tem seguido o rumo a esquerda, a Europa vai à direita. É o que se tem observado com o crescimento dos partidos de direita no Velho Mundo. Em postagem recente, trabalhei os conceitos de esquerda e direita e, sim, eles existem hoje e são perceptíveis. É verdade que a direita na Europa tem procurado se "modernizar" para conquistar a maioria dos eleitores. E, com a crise econômica mundial de 2008, houve a consolidação dessa tendência de "direitização europeia". Isso já ocorreu na crise de 1929, quando os governos de direita ganharam força depois da crise com Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália, por exemplo. Calma, isso não quer dizer que a Europa esteja a beira de u m novo nazismo. Não é para tanto! Mas a crise faz com que o eleitorado opte por governos tradicionais, conservadores, com os quais saibam que não haverá mudanças de rumos e tudo seguirá como está e talvez até melhore. De acordo com o escritor e jornalista Álvaro Vargas Llosa, "a

História do Rio Grande do Sul - Os Sete Povos das Missões

     Instrumento importante da Igreja na Contra-Reforma, a Companhia de Jesus foi criada por Inácio de Loyola, em 1534 (oficializada pelo Papa Paulo III em 1540), com o objetivo de "recatolizar" as regiões convertidas ao protestantismo. Sua atuação na América foi marcante, mas estiveram, também, na Índia, China e Japão durante essa época. Na América Portuguesa, a atuação dos jesuítas iniciou-se em 1549 em Salvador - na América Espanhola iniciou em 1610.      Nem sempre os jesuítas eram eficazes em sua conversão dos nativos. Após uma conversão inicial, marcada pelo batismo, muitos guaranis retornavam às suas práticas indígenas não sendo fieis às práticas e costumes cristãos. As reduções, no entanto, serviram à Coroa portuguesa, pois o "adestramento" dos nativos facilitava o acesso de mão-de-obra barata e abundante aos paulistas que tinham grande dificuldade de fazer cativos indígenas. Como eram hábeis agricultores, os tupi-guaranis eram "de grande valor&qu