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50 anos da Campanha da Legalidade - parte 4

Rio Grande do Sul e Goiás estavam resistindo ao veto a Jango. O governador goiano Mauro Borges também era favorável à posse de Jango, mas a situação estava tensa mesmo aqui em Porto Alegre. Brizola resistia, com direito a soldados com metralhadoras nos telhados do Palácio Piratini e da Catedral Metropolitana. Os militares, porém, estavam divididos.

Há 50 anos atrás, o comandante do III Exército recebeu uma ordem do ministro da Guerra: “deve compelir imediatamente o sr. Leonel Brizola a pôr termo à atividade subversiva que vem desenvolvendo [pois] o governador colocou-se fora da legalidade”. A ordem é clara, que faça “convergir sobre Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente”, e que “empregue a Aeronáutica, realizando inclusive bombardeio, se necessário”. Isso mesmo, bombardear o Palácio se for preciso, não havia mais espaço para diálogo.

Diante da ordem, o general José Machado Lopes, comandante do III Exército, marca uma audiência urgente com Brizola. A Capital, a essas alturas, já estava em situação delicada: as aulas haviam sido suspensas, os bancos estavam cancelando expedientes, sindicatos e grêmios organizavam assembleias e até o Gre-nal fora suspenso. A multidão em frente ao Palácio aumentava a cada dia em apoio a Brizola. Até o arcebispo Dom Vicente Scherer se manifestara pela Legalidade.

Brizola emitiu uma requisição, colocando a Rádio Guaíba sob seu controle. Nos porões do Palácio foi montada uma potente estação com a qual outras emissoras, mais de uma centena, foram entrando em cadeia, formando a mais importante rede de comunicação radiofônica já montada no país.

Com seu talento para a comunicação, Brizola conclamava nas ondas do rádio: “O Palácio Piratini, meus patrícios, está aqui transformado em uma cidadela que há de ser heróica, uma cidadela da liberdade…No Palácio Piratini, além da minha família e alguns servidores civis e militares do meu gabinete há um número bastante apreciável. (…)Ontem à noite, o senhor ministro da Guerra, marechal Odilio Denys, soldado no fim da sua carreira, (..) declarou que não concorda com a posse do senhor João Goulart porque, numa argumentação pueril e inaceitável, isso significa uma opção entre o comunismo ou não. (…) Vejam, meus conterrâneos, se não é uma loucura a decisão do ministro da Guerra. (...)".

E o general Machado Lopes chegou ao Palácio pouco antes do meio-dia. A reunião com o governador foi acompanhada pelo Secretário de Justiça, Francisco Brochado da Rocha, e do comandante da Brigada Militar, coronel Diomário Moojen. O general foi direto: o III Exército havia decidido aceitar a posse do vice-presidente e ia descumprir as ordens de atacar o Palácio. Brizola levantou-se, apertou a mão do militar e disse: “General, eu não esperava outra decisão do III Exército. O III Exército vai ser reconhecido por toda a nação, está cumprindo um papel histórico”.

Com o apoio do III Exército, o ataque ao Palácio foi sabotado na base aérea de Canoas. Mas o impasse não acabou por aqui.

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