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50 anos da Campanha da Legalidade - parte 2


A renúncia de Jânio, como já indicado ontem, não causou comoção popular. De acordo com a Constituição, diante da renúncia do presidente, o posto seria assumido pelo vice-presidente. João Goulart, o vice-presidente, estava em visita oficial à China comunista e seu nome foi vetado pelos Ministros militares. Dessa forma, assumiu interinamente a Presidência, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli (foto ao lado), há exatos 50 anos atrás.
É nesse contexto que vai se desencadear a Campanha da Legalidade, mas isso é assunto para a próxima postagem.

Hoje, vale a pena ler o que pesquisadoras do governo Jânio comentam sobre sua administração e seu governo:




SOBRE O PERSONALISMO POLÍTICO DE JÂNIO QUADROS:“Ele criou um modelo de marketing político individual que ainda hoje atrai e influencia muitos políticos brasileiros. Era um novo estilo, muito pessoal, de liderança política, apoiado num marketing que reunia um sistema de comunicação baseado na autovalorização, nas denúncias das irregularidades administrativas, no desprezo pelo Parlamento e pela política e no uso sistemático da imprensa, com um discurso sedutor para vários setores da sociedade. Quando, porém, ele levou esse estilo para a Presidência, desprezando o Legislativo e usando elementos dos partidos para ocupar cargos políticos, o sistema havia mudado. O Legislativo se fortalecia e o Executivo ficou isolado, um momento político desfavorável para que ele governasse como gostava”, avalia a cientista política Vera Chaia, coordenadora do Núcleo de Estudos de Arte, Mídia e Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autora de A liderança política de Jânio Quadros (Humanidades).

JÂNIO E AS FORÇAS ARMADAS:

“O mais importante é entender que o império da vassoura preparou o caminho para o domínio da espada. A política de Jânio de ‘governar é punir’ transformou o país num imenso quartel de Inquisição. Seu governo foi decisivo para reforçar o papel das Forças Armadas, como foi o pós-1964. Seu estilo e sua renúncia contribuíram, também, para desmoralizar o processo eleitoral e a participação democrática. A descrença de que ‘o povo não sabe votar’ virou, a partir dele, uma arma ideológica para incutir no povo uma percepção negativa de seus direitos políticos de cidadão. Se seu voto não vale nada, por que votar?”, analisa a socióloga Maria Victoria Benevides, professora titular da Faculdade de Educação da USP e autora de O governo Jânio Quadros (Brasiliense).

RENÚNCIA DE JÂNIO COMENTADA POR ELE MESMO: Há uma suposta conversa de Jânio com seu neto, Jânio Quadros Neto, no leito de morte, revelada por este em 1996 em Jânio Quadros: memorial à história do Brasil (Rideel): “A minha renúncia era para ter sido uma articulação. Nunca imaginei que ela fosse de fato aceita. Renunciei à candidatura à Presidência em 1960 e ela não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. O ato de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo. Também foi o maior erro político da história republicana do país. O maior erro que eu já cometi. Renunciei no Dia do Soldado porque quis sensibilizar os militares e conseguir o apoio deles. O Jango, na época, era inaceitável para as elites e achei que todos iam implorar para eu ficar. Era para ter criado um clima político e imaginei que o povo e os militares sairiam às ruas para me chamar de volta. O brasileiro é muito passivo. Ninguém reagiu. As forças terríveis eram tudo aquilo que mandava na democracia prostituída que governava o Brasil. Sem dúvida, o Congresso era a pior. Fui prefeito e governador e consegui administrar o Legislativo. Achei que Brasília seria uma continuidade, mas aquelas pressões não são nada comparadas com a Presidência”.

Extraído da Revista Pesquisa - FAPESP

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