Pular para o conteúdo principal

50 anos da Campanha da Legalidade - parte 1

A RENÚNCIA DE JÂNIO QUADROS

Há 50 anos atrás, renunciava o presidente Jânio Quadros. Uma figura por vezes meio folclórica, Jânio já havia sido prefeito de São Paulo e governador do Estado antes de assumir o cargo máximo do Executivo brasileiro.
Jânio foi eleito presidente pela coligação formada por partidos mais conservadores como a UDN, vencendo o Marechal Henrique Lott.
Seu jingle de campanha prometia combater a corrupção e, com sua vassourinha, varrer a sujeira da administração pública.
O seu curto governo (menos de 7 meses) foi marcado por eventos moralistas como a proibição do uso de biquíni nos concursos de miss, a proibição das rinhas de galo e do uso de lança-perfume em bailes de carnaval além de acontecimentos mais dignos de nota como:
- adotou uma política externa independente, restabelecendo relações diplomáticas, inclusive, com China e URSS (temidas pelos povos ocidentais).
- condenava as intervenções estrangeiras, defendendo a auto-determinação dos povos.
- condecorou Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul, fato que foi causa de crise em seu governo - imagine, um conservador condecorar um comunista!
- abriu inquéritos e sindicâncias para apurar casos de corrupção.

Jânio, na verdade, não sabia se ia para a esquerda ou para a direita. Seu governo temia um golpe por parte dos progressistas ao mesmo tempo em que era pressionado pelos conservadores temerosos com seu vice, o trabalhista João Goulart.

Jânio pensou que renunciando conseguiria grande comoção popular e, voltando nos braços do povo, poderia ter maior legitimidade para governar. Isso não aconteceu! Jânio achou que sua saída teria o mesmo impacto popular causado pelo suicídio de Getúlio Vargas sete anos antes - aliás, a data escolhida para a renúncia não é em vão: 25 de agosto, um dia após a data do suicídio de Vargas. A renúncia ficou mal explicada, não teve apoio popular e jogou Jânio no quase-esquecimento.

O que aconteceu depois da renúncia? Amanhã lembraremos mais...

Segue a carta de renúncia de Jânio:


"Nesta data, e por este instrumento, deixando com o ministro da Justiça as razões de meu ato, renuncio ao mandato de presidente da República.

Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.

Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração.

Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranqüilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.

Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida nacional. A mim não falta a coragem da renúncia.

Saio com um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo lutaram e me sustentaram dentro e fora do governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade. O apelo é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patrícios, para todos e de todos para cada um.

Somente assim seremos dignos deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos de nossa herança e da nossa predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria.

Brasília, 25 de agosto de 1961.

Jânio Quadros"


Qualquer semelhança com a carta-testamento de Getúlio não é mera coincidência.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Direita na Europa

Se a América Latina tem seguido o rumo a esquerda, a Europa vai à direita. É o que se tem observado com o crescimento dos partidos de direita no Velho Mundo. Em postagem recente, trabalhei os conceitos de esquerda e direita e, sim, eles existem hoje e são perceptíveis. É verdade que a direita na Europa tem procurado se "modernizar" para conquistar a maioria dos eleitores. E, com a crise econômica mundial de 2008, houve a consolidação dessa tendência de "direitização europeia". Isso já ocorreu na crise de 1929, quando os governos de direita ganharam força depois da crise com Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália, por exemplo. Calma, isso não quer dizer que a Europa esteja a beira de u m novo nazismo. Não é para tanto! Mas a crise faz com que o eleitorado opte por governos tradicionais, conservadores, com os quais saibam que não haverá mudanças de rumos e tudo seguirá como está e talvez até melhore. De acordo com o escritor e jornalista Álvaro Vargas Llosa, "a

A Guerra do Paraguai (1864-1870)

     Antes de falar propriamente do conflito, vamos recordar que o antigo Vice-Reinado do Rio da Prata não sobreviveu como unidade política ao fim do colonialismo espanhol. Com as independências americanas, nasceram, naquele espaço territorial após longos conflitos, a Argentina, o Paraguai, a Bolívia e o Uruguai.  Independências latino-americanas      A República Argentina surgiu depois de muitos vaivéns e guerras em  que se opunham os unitários e os federalistas. Os unitários defendiam um modelo de Estado centralizado, sob o comando da capital do antigo vice-reinado, Buenos Aires. Seus principais defensores eram os comerciantes da capital que, assim, poderiam assegurar o controle do comércio exterior argentino e apropriar-se das rendas provenientes dos impostos alfandegários sobre as importações. Já os federalistas  reuniam as elites regionais, os grandes proprietários, pequenos industriais e comerciantes mais voltados para o mercado interno. Defendiam o Estado descentrali

História do Rio Grande do Sul - Os Sete Povos das Missões

     Instrumento importante da Igreja na Contra-Reforma, a Companhia de Jesus foi criada por Inácio de Loyola, em 1534 (oficializada pelo Papa Paulo III em 1540), com o objetivo de "recatolizar" as regiões convertidas ao protestantismo. Sua atuação na América foi marcante, mas estiveram, também, na Índia, China e Japão durante essa época. Na América Portuguesa, a atuação dos jesuítas iniciou-se em 1549 em Salvador - na América Espanhola iniciou em 1610.      Nem sempre os jesuítas eram eficazes em sua conversão dos nativos. Após uma conversão inicial, marcada pelo batismo, muitos guaranis retornavam às suas práticas indígenas não sendo fieis às práticas e costumes cristãos. As reduções, no entanto, serviram à Coroa portuguesa, pois o "adestramento" dos nativos facilitava o acesso de mão-de-obra barata e abundante aos paulistas que tinham grande dificuldade de fazer cativos indígenas. Como eram hábeis agricultores, os tupi-guaranis eram "de grande valor&qu