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Jânio Quadros

     Figura por vezes meio folclórica, Jânio já havia sido prefeito de São Paulo e governador do Estado antes de assumir o cargo máximo do Executivo brasileiro. Na eleição, Jânio Quadros (UDN) derrotou o Marechal Henrique Lott com seu jingle de campanha que prometia combater a corrupção: "Varre, varre, vassourinha! Vai varrendo a corrupção!"






     O seu curto governo (menos de 7 meses) foi marcado por eventos moralistas como a proibição do uso de biquíni nos concursos de miss, a proibição das rinhas de galo e do uso de lança-perfume em bailes de carnaval além de acontecimentos mais dignos de nota como:
- adotou uma política externa independente, restabelecendo relações diplomáticas, inclusive, com China e URSS (temidas pelos povos ocidentais).
- condenava as intervenções estrangeiras, defendendo a auto-determinação dos povos.
- condecorou Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul, fato que foi causa de crise em seu governo - imagine, um conservador condecorar um comunista!
- abriu inquéritos e sindicâncias para apurar casos de corrupção.
 
     “Ele criou um modelo de marketing político individual que ainda hoje atrai e influencia muitos políticos brasileiros. Era um novo estilo, muito pessoal, de liderança política, apoiado num marketing que reunia um sistema de comunicação baseado na autovalorização, nas denúncias das irregularidades administrativas, no desprezo pelo Parlamento e pela política e no uso sistemático da imprensa, com um discurso sedutor para vários setores da sociedade. Quando, porém, ele levou esse estilo para a Presidência, desprezando o Legislativo e usando elementos dos partidos para ocupar cargos políticos, o sistema havia mudado. O Legislativo se fortalecia e o Executivo ficou isolado, um momento político desfavorável para que ele governasse como gostava”, avalia a cientista política Vera Chaia, coordenadora do Núcleo de Estudos de Arte, Mídia e Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autora de A liderança política de Jânio Quadros (Humanidades).

Jânio, na verdade, não sabia se ia para a esquerda ou para a direita. Seu governo temia um golpe por parte dos progressistas ao mesmo tempo em que era pressionado pelos conservadores temerosos com seu vice, o trabalhista João Goulart.

Jânio pensou que renunciando conseguiria grande comoção popular e, voltando nos braços do povo, poderia ter maior legitimidade para governar. Isso não aconteceu! Jânio achou que sua saída teria o mesmo impacto popular causado pelo suicídio de Getúlio Vargas sete anos antes - aliás, a data escolhida para a renúncia não é em vão: 25 de agosto, um dia após a data do suicídio de Vargas. A renúncia ficou mal explicada, não teve apoio popular e jogou Jânio no quase-esquecimento.

     Segue a carta de renúncia de Jânio:

"Nesta data, e por este instrumento, deixando com o ministro da Justiça as razões de meu ato, renuncio ao mandato de presidente da República.
Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.
Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração.
Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranqüilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.
Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida nacional. A mim não falta a coragem da renúncia.
Saio com um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo lutaram e me sustentaram dentro e fora do governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade. O apelo é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patrícios, para todos e de todos para cada um.
Somente assim seremos dignos deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos de nossa herança e da nossa predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria.
Brasília, 25 de agosto de 1961.
Jânio Quadros"

     Há uma suposta conversa de Jânio com seu neto, Jânio Quadros Neto, no leito de morte, revelada por este em 1996 em Jânio Quadros: memorial à história do Brasil (Rideel): “A minha renúncia era para ter sido uma articulação. Nunca imaginei que ela fosse de fato aceita. Renunciei à candidatura à Presidência em 1960 e ela não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. O ato de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo. Também foi o maior erro político da história republicana do país. O maior erro que eu já cometi. Renunciei no Dia do Soldado porque quis sensibilizar os militares e conseguir o apoio deles. O Jango, na época, era inaceitável para as elites e achei que todos iam implorar para eu ficar. Era para ter criado um clima político e imaginei que o povo e os militares sairiam às ruas para me chamar de volta. O brasileiro é muito passivo. Ninguém reagiu. As forças terríveis eram tudo aquilo que mandava na democracia prostituída que governava o Brasil. Sem dúvida, o Congresso era a pior. Fui prefeito e governador e consegui administrar o Legislativo. Achei que Brasília seria uma continuidade, mas aquelas pressões não são nada comparadas com a Presidência”.

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