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Campanha da Legalidade - Revisão


     A renúncia de Jânio Quadros gerou um impasse constitucional. De acordo com a Constituição, diante da renúncia do presidente, o posto seria assumido pelo vice-presidente. João Goulart, o vice-presidente, estava em visita oficial à China comunista e seu nome foi vetado pelos Ministros militares. Dessa forma, assumiu interinamente a Presidência, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. 
 
     Nesse momento, assumindo o papel de "caudilho", Leonel Brizola decide manifestar-se a favor da imediata posse constitucional do vice-presidente João Goulart - para quem não lembra, Jango era cunhado de Brizola. Leonel Brizola era o governador do estado do Rio Grande do Sul.

      Do outro lado, os militares não admitiam a posse de Jango e ameaçavam prendê-lo caso retornasse ao país. Já havia, inclusive, dado ordem de prisão contra o marechal Lott (candidato derrotado a presidência), que se manifestara contra a tentativa de golpe. Outros militares e líderes políticos já tinham sido detidos. O clima político era tenso. Porto Alegre tornou-se a capital da legalidade. Uma multidão estava de prontidão em frente ao Palácio Piratini atendendo ao pedido de resistência feito pelo governador que tomou a Rádio Guaíba e utilizou-a como rede da legalidade.

     Brizola começa a distribuir armas à população e passa a movimentar-se no palácio com uma metralhadora. O governador goiano Mauro Borges também era favorável à posse de Jango, mas a situação estava tensa mesmo aqui em Porto Alegre. Brizola resistia, com direito a soldados com metralhadoras nos telhados do Palácio Piratini e da Catedral Metropolitana. Os militares, porém, estavam divididos.

     Há 50 anos atrás, o comandante do III Exército recebeu uma ordem do ministro da Guerra: “deve compelir imediatamente o sr. Leonel Brizola a pôr termo à atividade subversiva que vem desenvolvendo [pois] o governador colocou-se fora da legalidade”. A ordem é clara, que faça “convergir sobre Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente”, e que “empregue a Aeronáutica, realizando inclusive bombardeio, se necessário”. Isso mesmo, bombardear o Palácio se for preciso, não havia mais espaço para diálogo.
     Diante da ordem, o general José Machado Lopes, comandante do III Exército, marcou uma audiência urgente com Brizola. A Capital, a essas alturas, já estava em situação delicada: as aulas haviam sido suspensas, os bancos estavam cancelando expedientes, sindicatos e grêmios organizavam assembleias e até o Gre-nal fora suspenso. A multidão em frente ao Palácio aumentava a cada dia em apoio a Brizola. Até o arcebispo Dom Vicente Scherer se manifestara pela Legalidade.
     Com seu talento para a comunicação, Brizola conclamava nas ondas do rádio: 
“O Palácio Piratini, meus patrícios, está aqui transformado em uma cidadela que há de ser heróica, uma cidadela da liberdade…No Palácio Piratini, além da minha família e alguns servidores civis e militares do meu gabinete há um número bastante apreciável. (…)Ontem à noite, o senhor ministro da Guerra, marechal Odilio Denys, soldado no fim da sua carreira, (..) declarou que não concorda com a posse do senhor João Goulart porque, numa argumentação pueril e inaceitável, isso significa uma opção entre o comunismo ou não. (…) Vejam, meus conterrâneos, se não é uma loucura a decisão do ministro da Guerra. (...)".
     No encontro entre o general do III Exército Machado Lopes e o governador Leonel Brizola, o general foi direto: o III Exército havia decidido aceitar a posse do vice-presidente e ia descumprir as ordens de atacar o Palácio. Brizola levantou-se, apertou a mão do militar e disse: “General, eu não esperava outra decisão do III Exército. O III Exército vai ser reconhecido por toda a nação, está cumprindo um papel histórico”.
     Mas, a solução do impasse em torno da posse de João Goulart, o Jango, deu-se somente no dia 02 de setembro de 1961, quando o Congresso Nacional aprovou a emenda constitucional (nº 4) que mudou o sistema de governo presidencialista para o parlamentarista. Essa foi a solução encontrada para conciliar os ânimos. Com a emenda, Jango seria chefe de Estado mas não chefe de governo, o que faria dele uma figura decorativa (tipo a rainha da Inglaterra) e que quase nenhum poder de mando teria.

     O governador Leonel Brizola, que tanto havia lutado pela posse legal de Jango, foi contrário à mudança de regime e estava disposto a fazer o cunhado tomar posse pelas armas, se fosse necessário. Jango, porém, muito conciliador, não estava disposto a causar uma guerra civil. Em sua viagem da China de volta ao Brasil - que, de propósito, demorou muito mais do que o habitual para que os ânimos se acalmassem - desembarcou em Montevidéu e não diretamente em solo brasileiro. Na capital uruguaia, Tancredo Neves encontrou Jango e lhe apresentou a proposta de posse em regime parlamentarista. Jango não foi, inicialmente, favorável à ideia. O argumento de Tancredo foi decisivo: “então assuma no regime presidencialista com as botas manchadas de sangue”.

     Jango acabou aceitando a via parlamentarista, o que acabou gerando um distanciamento ainda maior entre ele e Brizola.

     Jango acabou optando por tomar posse no dia 07 de setembro, pelo simbolismo da data. Até então, ficou na Granja do Torto onde recebeu diversos representantes políticos em período de decisão para saber quem seria seu Primeiro Ministro. Jango optou por Tancredo Neves, que já tinha trânsito suficiente pelos bastidores do poder.

     Após duas semanas bem conturbadas politicamente, Jango finalmente assumiu o cargo a que tinha direito. Seu discurso de posse, de certa maneira, resumiu a turbulência dos dias anteriores:
"(...) Subo ao poder ungido pela vontade popular, que me elegeu duas vezes Vice-Presidente da República, e que, agora, em impressionante manifestação de respeito pela legalidade e pela defesa das liberdades públicas uniu-se, através de todas as suas forças, para impedir que a sua decisão soberana fosse desrespeitada.
(...) Não há razão para ser pessimista, diante de um povo que soube impor a sua vontade, vencendo todas as resistências para que não se maculasse a legalidade democrática.
(...) Neste magnífico movimento de opinião pública, formou-se, no calor da crise, uma união nacional que haveremos de manter de pé, com a finalidade de dissipar ódios e ressentimentos pessoais, em benefício dos altos interesses da Nação, da intangibilidade de sua soberania e da aceleração de seu desenvolvimento.
(...) Surpreendido quando em missão do meu país no exterior, com a eclosão de uma crise político-militar, não vacilei um só instante quanto ao dever que me cabia cumprir. (...) Solidário com as vivas manifestações de nossa consciência democrática, de mim não se afastou, um momento sequer, o pensamento de evitar, enquanto com dignidade pudesse fazê-lo, a luta entre irmãos. Tudo fiz para não marcar com sangue generoso do povo brasileiro o caminho que me trouxe a Brasília.
Sabem os partidos políticos, sabem os parlamentares, sabem todos que, inclusive por temperamento, inclino-me mais a unir do que a dividir, prefiro pacificar a acirrar ódios, prefiro harmonizar a estimular ressentimentos.
(...) Sob meu governo, todas as liberdades públicas estarão desde logo asseguradas, com a suspensão de quaisquer medidas administrativas impostas contra as garantias estabelecidas na Constituição da República."
     Leonel Brizola, o grande personagem da Campanha da Legalidade, queria que Jango assumisse no regime presidencialista nem que para isso fosse preciso fazer a revolução. Jango não quis. Pressionado pelas Forças Armadas e pelo Congresso, aceitou pacificamente o novo regime para evitar uma guerra civil. Conciliador, Jango pretendia derrubar a emenda parlamentarista da forma mais democrática possível. E conseguiu. Um ano e quatro meses depois, convocou um plebiscito para que a população decidisse se mantinha o parlamentarismo ou retornava ao presidencialismo. A vitória foi grande: 10 milhões de votos pelo retorno ao presidencialismo, com Jango no poder, sem um Primeiro-Ministro. Apenas 2 milhões de eleitores optaram pela manutenção do parlamentarismo.
      Porém, as forças (Armadas) que tentaram impedir a posse de Jango permaneceram atuantes. Em março de 1964, quando Jango anunciou suas reformas de base em comício na Central do Brasil (de 13 de março), essas forças se organizaram fortemente e, com apoio de parte da sociedade civil conseguiu dar o golpe que já haviam tentado outras vezes (em 1954, 1955, 1956 e 1961) e instauraram no país a longa ditadura civil-militar que durou 21 anos. Jango, novamente, evitou confrontos e foi para o exílio.

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