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50 anos da Campanha da Legalidade - parte 7

Após duas semanas bem conturbadas politicamente, Jango finalmente assumiu o cargo a que tinha direito. Vice-presidente eleito - na época, a votação para presidente e vice era separada - Jango estava na China quando Jânio Quadros renunciou e, após tentativa de golpe, conseguiu apoio popular e político suficiente para tomar posse.

Jango, avesso a atritos, aceitou a decisão do Congresso de assumir o governo sob o regime parlamentarista. Seu discurso de posse, de certa maneira, resumiu a turbulência dos dias anteriores:

"(...) Subo ao poder ungido pela vontade popular, que me elegeu duas vezes Vice-Presidente da República, e que, agora, em impressionante manifestação de respeito pela legalidade e pela defesa das liberdades públicas uniu-se, através de todas as suas forças, para impedir que a sua decisão soberana fosse desrespeitada.

(...) Não há razão para ser pessimista, diante de um povo que soube impor a sua vontade, vencendo todas as resistências para que não se maculasse a legalidade democrática.

(...) Neste magnífico movimento de opinião pública, formou-se, no calor da crise, uma união nacional que haveremos de manter de pé, com a finalidade de dissipar ódios e ressentimentos pessoais, em benefício dos altos interesses da Nação, da intangibilidade de sua soberania e da aceleração de seu desenvolvimento.

(...) Surpreendido quando em missão do meu país no exterior, com a eclosão de uma crise político-militar, não vacilei um só instante quanto ao dever que me cabia cumprir. (...) Solidário com as vivas manifestações de nossa consciência democrática, de mim não se afastou, um momento sequer, o pensamento de evitar, enquanto com dignidade pudesse fazê-lo, a luta entre irmãos. Tudo fiz para não marcar com sangue generoso do povo brasileiro o caminho que me trouxe a Brasília.

Sabem os partidos políticos, sabem os parlamentares, sabem todos que, inclusive por temperamento, inclino-me mais a unir do que a dividir, prefiro pacificar a acirrar ódios, prefiro harmonizar a estimular ressentimentos.

(...) Sob meu governo, todas as liberdades públicas estarão desde logo asseguradas, com a suspensão de quaisquer medidas administrativas impostas contra as garantias estabelecidas na Constituição da República."

Leonel Brizola, o grande personagem da Campanha da Legalidade, queria que Jango assumisse no regime presidencialista nem que para isso fosse preciso fazer a revolução. Jango não quis. Pressionado pelas Forças Armadas e pelo Congresso, aceitou pacificamente o novo regime para evitar uma guerra civil. Conciliador, Jango pretendia derrubar a emenda parlamentarista da forma mais democrática possível. E conseguiu. Um ano e quatro meses depois, convocou um plebiscito para que a população decidisse se mantinha o parlamentarismo ou retornava ao presidencialismo. A vitória foi grande: 10 milhões de votos pelo retorno ao presidencialismo, com Jango no poder, sem um Primeiro-Ministro. Apenas 2 milhões de eleitores optaram pela manutenção do parlamentarismo.

Porém, as forças (Armadas) que tentaram impedir a posse de Jango permaneceram atuantes. Em março de 1964, quando Jango anunciou suas reformas de base em comício na Central do Brasil (de 13 de março), essas forças se organizaram fortemente e, com apoio de parte da sociedade civil conseguiu dar o golpe que já haviam tentado outras vezes (em 1954, 1956 e 1961) e instauraram no país a longa ditadura civil-militar que durou 21 anos. Jango, novamente, evita confrontos e vai para o exílio.

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