Essa postagem não vai falar de batalhas nem exaltar feitos de combate ou "heróis". Falarei sobre o contexto político, econômico e social do período e sobre motivos que levaram os sul-riograndenses à revolta contra o Império e das causas da rendição.
O Império brasileiro passava por uma forte turbulência política. A centralização política proposta pelo imperador batia de frente com o sistema federativo de governo. A Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, previa a nomeação dos presidentes das províncias - item que desagradou bastante as elites sul-riograndenses. O imperador abdicou, em 1831, mas a situação não melhorou tanto embora algumas medidas do "Avanço Liberal" da Regência vinham de encontro dos interesses das elites locais:
- criação da Guarda Nacional (1831), braço armado das elites locais;
- aprovação do Código de Processo Criminal (1832) que criava o cargo de Juiz de Paz eleito localmente;
- Ato Adicional (1834) criava as Assembleias Legislativas estaduais.
A elite local não entendia os motivos para o Império "defender" a Banda Oriental. Na verdade, era questão de política externa preventiva: o Império queria fazer o Uruguai um país economicamente viável impedindo sua incorporação à vizinha Confederação Argentina lideradas, desde 1829, por Juan Manuel de Rosas. Aliás, entender a política do Prata é essencial para entender o desenrolar da guerra. Outra razão para praticar uma política tarifária não-protecionista em relação ao charque justificava-se pelo charque ser comida para escravo, ou seja, precisava ser barata para garantir aos escravocratas lucrarem mais com seus negros.
Juan Antonio Lavalleja |
Segundo Bento Gonçalves, a rebelião era um ato "patriótico", destinado a substituir um governo "inepto" e "antinacional" por um "ilustrado" e "liberal", que respeitasse as autonomias provinciais. Quem era esse tal de Bento Gonçalves? Bento era um estancieiro-militar que casou-se com a uruguaia Caetana Garcia e estabelecera-se na Banda Oriental. Em 1825, com o movimento autonomista uruguaio, retornou à província do Rio Grande de São Pedro e entrou em contato com a maçonaria e o ideário liberal, do qual já havia sofrido alguma influência na Cisplatina. E, só um adendo, Bento nunca usou bombachas! Ela foi introduzida no "tradicionalismo" gaúcho anos depois.
Logo após o início da Guerra, Manoel Oribe - antigo aliado de Lavalleja e próximo de Rosas - subiu a presidência do Uruguai. Oribe era inimigo de Rivera, que rebelou-se contra o novo presidente e foi buscar as mãos em Rio Grande - que estava nas mãos de legalista e não dos farroupilhas. Os conflitos entre Oribe e Rivera deram origem aos dois principais partidos do país: o Partido Colorado (ligado a Rivera) que é pró-liberalismo econômico e próximo dos unitários portenhos e o Partido Nacional (Blanco) fundado por Oribe, protecionista, vinculado à produção primária e aos federalistas argentinos.
Oribe condicionou seu apoio aos rebeldes farrapos à sua separação definitiva do Império brasileiro. E os farrapos
Local onde foi assinada a Paz de Poncho Verde, no atual município de Dom Pedrito. |
- permitiu a escolha do novo presidente da província;
- anistia aos oficiais farroupilhas e sua reincorporação ao Exército imperial;
- Império assumiu as dívidas dos farrapos;
- aumentou imposto sobre o charque platino para 25%.
A intenção do Império era garantir a lealdade dos sul-riograndenses mantendo-os como guardiães da fronteira visto que uma nova guerra na Bacia do Prata era iminente.
Vale lembrar que não foram todos os gaúchos que pegaram em armas contra o Império e ficaram do lado dos revoltosos. Houve quem ficou do lado do Império, caso de Rio Grande, na qual o porto e a cidade permaneceram na mão dos legalistas pró-Império. Por outro lado, as ideias liberais embalaram grande parte do clero local que chegou, inclusive, a romper temporariamente com o Bispado do Rio de Janeiro ao qual pertenciam.
Porém, sob a capa dos interesses liberais, os farroupilhas eram, na prática, tão conservadores quanto à elite imperial contra a qual lutaram. Por isso, é errôneo o uso do termo "Revolução Farroupilha" pois não era esse o interesse dos revoltosos, pois o mesmo grupo social continuaria no poder. A pretensão de liberdade, por exemplo, não chegava às senzalas. Os negros escravos, aliás, foram os maiores atingidos com essa guerra, mas já tratei disso anteriormente. Qual façanha mesmo que deve servir de modelo à toda a terra? Quando encontrarem uma, por favor, me avisem.
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