Pular para o conteúdo principal

Guerra contra Oribe e Rosas (1851-52)

     Para quem vem acompanhando nossa série de postagens sobre a História do Rio Grande do Sul já deve ter ficado claro que a região do Prata é inseparável da formação do estado no quesito político, cultural, econômico, linguístico... Enfim, poderia dizer que são histórias concatenadas. Não se pode estudar uma sem analisar a outra. Durante o Império, a barganha de poder e a disputa de terras na região da Bacia do Prata tornaram-se vetores da política externa brasileira do século XIX. Aliás, a política externa brasileira sempre manifestou duas faces, com maior ou menor intensidade: a de dependência e a hegemônica. A face de dependência é óbvia: o Brasil imperial estava diretamente atrelado à Inglaterra. A face hegemônica dessa política externa é mais camuflada, mas perceptível: a preocupação com os acontecimentos políticos da Bacia do Prata indica a preocupação do Brasil Imperial em ter um papel hegemônico na América do Sul - algo que ocorre até hoje. A grande preocupação era com a supremacia da Argentina. O Império temia a união dela com Uruguai e Paraguai pois, caso formassem esse grande bloco, a hegemonia brasileira no sul da América estava ameaçada.

     Vivia-se, em meados do século XIX, o processo de formação dos Estados nacionais na América. Argentina e Uruguai, nesse sentido, estavam um pouco mais atrasados que o Brasil que, desde a independência (1822) vinha construindo-se como Estado nacional - na prática, a vinda da família real portuguesa para o Brasil (1808) já dava início a esse processo.

Sonho de Rosas era reconstituir
o Vice-Reinado do Prata, como
era antes das independências
na região.
      A situação na vizinhança era a seguinte: na Argentina, Juan Manuel de Rosas estava no poder desde 1829 e, no Uruguai, Manuel Oribe governava desde 1843. Rosas tentava consolidar o poder entre as províncias argentinas - ainda não havia um país unificado. Mas Rosas queria mais: ele alimentava o sonho de reconstituir o antigo Vice-Reinado do Prata, o que ameaçaria a soberania do Brasil. Oribe, do Partido Nacional (Blanco) uruguaio, estava ao lado de Rosas nessa empreitada. O resto estava contra. Quem era esse resto: os Colorados uruguaios (arqui-inimigos dos Blancos) e os governadores das províncias argentinas de Entre-Ríos (Urquiza) e Corrientes (Virasoro). Aliados ao Brasil, os oponentes de Oribe e Rosas lutavam pela defesa dos limites Brasil-Uruguai, a manutenção das independências, a defesa a livre navegação no Rio da Prata (fechado desde 1842 por Rosas), pela proteção das propriedades de brasileiros na fronteira com Uruguai e de brasileiros perseguidos por Oribe no Uruguai.

     Para ficar mais claro quem estava contra quem:


     Como o que analisamos aqui é o contexto político e não o conflito em si, não irei abordar as batalhas, os oficiais nem nada relativo a isso. Apenas assinalarei alguns pontos. Lembrem-se que essa guerra, também conhecida como Guerra do Prata, iniciou-se em 1851, ou seja, D. Pedro II já havia, de fato, assumido o trono (não era mais uma criança!). O Brasil enviou para a guerra 24.000 soldados, a maioria desses gaúchos. Após os colorados garantirem o controle do Uruguai com a derrubada de Oribe, as tropas rosistas foram derrotadas na batalha de Monte Caseros, em fevereiro de 1852, dando fim à guerra. 

     Vencendo a guerra, o Brasil (quem mais investiu no conflito) acabou selando uma série de tratados que beneficiaram o Império e prejudicaram bastante o Uruguai:

  • Tratado de Aliança: permitia a intervenção brasileira sobre assuntos internos da política uruguaia;
  • Tratado de Extradição: possibilitava a devolução de criminosos envolvidos no roubo de gado ao país de origem. Aqui, cabe salientar que o Uruguai era muito prejudicado com o roubo de gado por parte dos gaúchos e, ao devolver esses bandidos ao Brasil perdia a garantia de que os delitos cessariam;
  • Tratado de Prestação de Socorros: o Brasil auxiliaria o pagamento da dívida externa uruguaia em troca do controle da alfândega de Montevidéu, a principal fonte de receita do país;
  • Tratado de Comércio e Navegação: gado uruguaio entrava no Rio Grande do Sul sem pagar exportação - ou seja, ficavam mais baratos para os gaúchos;
  • Tratado de Limites: agora, o Rio Quaraí dividia os países. Assim, o Brasil ganhava territórios e podia navegar com exclusividade pela Lagoa Mirim e pelo Rio Jaguarão.



     Para quem leu os tratados pós-Guerra, dá pra imaginar a indignação dos uruguaios com os prejuízos... Não é a toa que a situação no Prata demorou a se pacificar...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Direita na Europa

Se a América Latina tem seguido o rumo a esquerda, a Europa vai à direita. É o que se tem observado com o crescimento dos partidos de direita no Velho Mundo. Em postagem recente, trabalhei os conceitos de esquerda e direita e, sim, eles existem hoje e são perceptíveis. É verdade que a direita na Europa tem procurado se "modernizar" para conquistar a maioria dos eleitores. E, com a crise econômica mundial de 2008, houve a consolidação dessa tendência de "direitização europeia". Isso já ocorreu na crise de 1929, quando os governos de direita ganharam força depois da crise com Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália, por exemplo. Calma, isso não quer dizer que a Europa esteja a beira de u m novo nazismo. Não é para tanto! Mas a crise faz com que o eleitorado opte por governos tradicionais, conservadores, com os quais saibam que não haverá mudanças de rumos e tudo seguirá como está e talvez até melhore. De acordo com o escritor e jornalista Álvaro Vargas Llosa, "a

A Guerra do Paraguai (1864-1870)

     Antes de falar propriamente do conflito, vamos recordar que o antigo Vice-Reinado do Rio da Prata não sobreviveu como unidade política ao fim do colonialismo espanhol. Com as independências americanas, nasceram, naquele espaço territorial após longos conflitos, a Argentina, o Paraguai, a Bolívia e o Uruguai.  Independências latino-americanas      A República Argentina surgiu depois de muitos vaivéns e guerras em  que se opunham os unitários e os federalistas. Os unitários defendiam um modelo de Estado centralizado, sob o comando da capital do antigo vice-reinado, Buenos Aires. Seus principais defensores eram os comerciantes da capital que, assim, poderiam assegurar o controle do comércio exterior argentino e apropriar-se das rendas provenientes dos impostos alfandegários sobre as importações. Já os federalistas  reuniam as elites regionais, os grandes proprietários, pequenos industriais e comerciantes mais voltados para o mercado interno. Defendiam o Estado descentrali

História do Rio Grande do Sul - Os Sete Povos das Missões

     Instrumento importante da Igreja na Contra-Reforma, a Companhia de Jesus foi criada por Inácio de Loyola, em 1534 (oficializada pelo Papa Paulo III em 1540), com o objetivo de "recatolizar" as regiões convertidas ao protestantismo. Sua atuação na América foi marcante, mas estiveram, também, na Índia, China e Japão durante essa época. Na América Portuguesa, a atuação dos jesuítas iniciou-se em 1549 em Salvador - na América Espanhola iniciou em 1610.      Nem sempre os jesuítas eram eficazes em sua conversão dos nativos. Após uma conversão inicial, marcada pelo batismo, muitos guaranis retornavam às suas práticas indígenas não sendo fieis às práticas e costumes cristãos. As reduções, no entanto, serviram à Coroa portuguesa, pois o "adestramento" dos nativos facilitava o acesso de mão-de-obra barata e abundante aos paulistas que tinham grande dificuldade de fazer cativos indígenas. Como eram hábeis agricultores, os tupi-guaranis eram "de grande valor&qu