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Peronismo - o vai e vem no poder (parte 2)



     

     Relembrando nossa última postagem, depois de dois governos, Perón foi deposto pelos militares e com o apoio de diversos setores da sociedade argentina. Foi o fim de Perón na política? Não! Perón é argentino e não desiste nunca! Perón foi duramente criticado por parte da sociedade, mas continuava sendo admirado (e muito) pela outra parte. Então, ainda tem muito vai e vem por aqui...






Perón no exílio. E a Argentina?

     Após o golpe de 1955, Perón retirou-se para o Paraguai e, de lá, partiu para o exílio em Madrid mas manteve sua influência política na Argentina. No exílio, casou com Maria Estela Martinez (Isabelita) em 1961.

     E como ficou a Argentina nos 18 anos em que Perón esteve fora do país?

     No golpe de 1955, a opinião dos apoiadores do golpe (e mesmo das Forças Armadas) estava dividida entre iniciar uma ditadura ou restaurar a democracia. Enquanto uma decisão não era tomada, os trabalhadores e anti-imperialistas continuavam desejando o retorno de Perón. Ele não voltou (ainda), mas acompanhou lá da Europa a ruptura da União Cívica Radical em União Cívica Radical do Povo (mais conservadora, aliada ao grande capital) e União Cívica Radical Intransigente composto pela camada média, profissionais liberais, intelectuais e pequeno e médio empresariado. Ambos, no entanto, apoiaram a "Revolução Libertadora". Nas eleições de 1958, a União Cívica Radical Intransigente lançou a candidatura de Arturo Frondizi à presidência. Frondizi teve apoio de Perón (lá do exílio em troca da promessa de retirar o partido Peronista da ilegalidade) e venceu as eleições.

     No governo de Arturo Frondizi, houve grande penetração de capital externo nos setores financeiro, industrial e petrolífero. Houve, também, aproximação do governo dos grupos dominantes e afastamento dos setores médios e populares. Por outro lado, Frondizi deu início a grandes projetos de hidroeletricidade e construção de uma extensa rede de rodovias. A indústria de base foi impulsionada, com investimentos em petroquímica, siderurgia, implemento de técnicas agrícolas e expansão de escolas de educação técnica. Assim, a Argentina apresentava uma das mais altas taxas de crescimento do mundo, além de praticamente erradicar a pobreza. Os militares, por sua vez, não ficaram de fora de seu governo e, a cada tentativa de golpe (foram seis durante seu governo), Frondizi era obrigado a ceder mais espaço às Forças Armadas.

     Conforme promessa eleitoral, Frondizi anulou a ilegalização do Peronismo em 1961, tendo o partido vencido nas eleições legislativas do ano seguinte em 10 das 14 províncias argentinas. Contudo, as Forças Armadas exigiram que Frondizi anulasse as eleições. Frondizi não cumpriu as exigências desencadeando o golpe militar que o destituiu em 1962. O Congresso Nacional foi fechado e o presidente do Senado, José María Guido (do mesmo partido de Frondizi) assumiu o poder em meio a uma disputa interna nas Forças Armadas. Eleições foram convocadas e Arturo Illia saiu vitorioso pela União Cívica Radical do Povo.

     O governo de Arturo Illia foi cheio de medidas ora neoliberais ora trabalhistas. Seu mandato iniciou-se (1963) resistente ao imperialismo com medidas de restrição à penetração do capital estrangeiro e cancelamento dos contratos feitos por Frondizi no setor petrolífero. Illia ganhou a simpatia dos setores médios e populares com sua política de controle dos preços e de aumento real do salário. Mas, sua proximidade com o Peronismo deixou os militares aflitos temendo o retorno de Perón nas eleições de 1967. Resultado? Adivinhem. As Forças Armadas deram um novo golpe de Estado em 1966 com o General Onganía assumindo o poder.

     O General Juan Carlos Onganía assumiu o poder dando início a um Estado autoritário com supressão dos partidos e da representação parlamentar. No campo econômico, Onganía favoreceu o capital monopólico e conduziu um programa afinado com a oligarquia e o capital externo. O setor industrial foi desnacionalizado. A crescente inflação e a recessão econômica conduziram a uma grande crise política na ditadura. Dentro dessa crise, dois fatos foram marcantes. Em 1969, muitos operários e estudantes foram às ruas de Córdoba numa grande manifestação popular que ficou conhecida como "Cordobazo". No ano seguinte, os Montoneros (grupo armado ligado ao peronismo) sequestraram e executaram o General Aramburu, que havia assumido a presidência meses depois da deposição de Perón. No meio da crise, Onganía foi substituído pelo General Levingston (1970), que com pouca habilidade e poder de mando para lidar com a crise foi derrubado meses depois para ceder a presidência ao General Alejandro Lanusse (1971) que cuidou da transição para a democracia.

     Com a convocação das eleições, os ex-peronistas organizaram-se na Frente Justicialista de Libertação com o apoio dos trabalhadores urbanos, setores médios e empresariais. Como Perón ficara proibido pelo general de ser candidato, a saída foi lançar a candidatura de Héctor José Cámpora com o lema: "Cámpora al gobierno, Perón al poder". Com esse lema, Cámpora venceu as eleições com 49,5% dos votos

     A primeira medida de Héctor José Cámpora foi libertar os presos políticos presos durante a ditadura antiperonista. Seu governo durou menos de dois meses. Em 1972, Perón retornou à Argentina e Cámpora renunciou junto com seu vice obrigando a Câmara dos Deputados a convocar novas eleições. E Perón venceu facilmente, com 62% dos votos.


Terceiro Governo Peronista (1973-74)

     Nem precisa dizer que Perón foi super, hiper, mega, super aclamado em sua volta à Argentina após tantos anos no exílio... Basta ver a facilidade com que conseguiu vencer as eleições. Mas, só para não acharem que é exagero, vejam as imagens e manchetes de periódicos da época:

 

     Perón não desistiu da ideia de uma chapa "em família" na presidência. Com Evita não foi possível por causa da pressão das Forças Armadas. Mas, em 1973, Perón venceu as eleições tendo sua nova esposa como vice: María Estela Martinez de Perón, conhecida como Isabelita Perón. A chapa era identificada como Perón-Perón.

     A tônica do governo era implementar um desenvolvimento econômico capaz de gerar excedentes suficientes para atender demandas da classe média e populares mas sem afrontar à oligarquia e aos grandes grupos econômicos. Mesmo estando menos combativo no poder, o casal Perón reduziu a taxa de lucro e discutiu projetos de reforma agrária. Porém, o casal não convencia os empresários com seu discurso em cima do muro. Resultado: a oligarquia fundiária provocou um desabastecimento de carne, os industriais entraram na onda e provocaram desabastecimento e, com isso, crescia o mercado ilegal de bens de consumo e do dólar.

     Mas o último governo de Perón foi curto, durou menos de um ano. Em julho de 1974, Perón morreu deixando o poder nas mãos de Isabelita. A comoção popular pela morte de seu líder foi grande, mas nem se compara à tristeza que tomou conta do país quando Evita morreu. Isabelita assumiu o poder ciente de que sua popularidade junto ao povo argentino não era das maiores e que Evita, por muitos considerada uma santa, seria eternamente o grande amor de Perón. Para piorar, a viúva teve apoio das Forças Armadas e adotou políticas econômicas favoráveis à oligarquia e ao imperialismo. Isso fez com que Isabelita fosse vista como uma traidora e gerou grande descontentamento popular. 


     Isabelita no poder (1974-76)

     No governo de Isabelita Martínez Perón houve alta inflação, desvalorização da moeda, aumento das tarifas de serviços públicos e suspensão de convenções coletivas de trabalho. Mas, não podemos jogar toda a culpa nela pela derrocada do peronismo na década de 1970. O leque de apoio à Perón já era bastante problemático desde o momento em que o líder quis agradar esquerda e direita, polarizando os conflitos dentro do próprio governo.
  
     A guerrilha reaparece com os Montoneros (peronistas) e o Exército Revolucionário do Povo (ERP - não-peronista). Com o reaparecimento dos grupos armados, a repressão ganha força com a atuação das Forças Armadas para conter a subversão. Crescia, também, grupos paramilitares de direita como a "Triple A", a Associação Anticomunista Argentina.

      Isabelita, que a essas alturas já era um fantoche na mãos dos militares foi derrubada pelo golpe militar de março de 1976, dando início ao período de maior terror do Estado argentino. Isabelita foi posta em prisão domiciliar pelos militares até que, em 1981, conseguiu exilar-se na Europa. Ela ainda é viva e, se Evita era considerada santa pelas obras de caridade que fazia, Isabelita já deixou testamentado que 90% de seus bens irão para caridade...

     Nos próximos dias, falarei sobre a ditadura argentina aqui no blog.

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