Interrompemos nossa programação normal para um esclarecimento em meio a tantas baboseiras, quer dizer, equívocos que tem sido espalhados pelas redes sociais na velocidade da luz. Após esse breve esclarecimento, siga com nossa programação normal e a postagem sobre a ditadura argentina.
Aviso aos navegantes!
Como dizia Joseph Goebbels (Ministro da Propaganda da Alemanha Nazista): "Uma mentira dita mil vezes, torna-se uma verdade." De fato, se reproduz tanta besteira nas redes sociais, sem qualquer verificação de fontes, aprofundamento teórico ou conhecimento de causa. O único objetivo é cooptar adeptos para um pensamento, em geral, fundamentalista. É o caso das recentes manifestações na Venezuela no qual postagens na Internet reproduzem fotos indicando que o país passa pela pior ditadura dos últimos anos a nível planetário. Menos, bem menos! É esse tipo que cai nos maiores pega-ratões do Vestibular e ENEM pois a banca sabe que boa parte dos candidatos sabe aquilo que é reproduzido no senso comum, sem qualquer verificação e, assim, conseguem eliminar milhares de candidatos seguidores do pensamento único.
Se olharmos a América Latina, no Haiti a população passa fome, o país está desabastecido e há muitas pessoas fugindo do país. Isso é noticiado nos principais telejornais? Não. Por que a miséria do Haiti não interessa a ninguém a menos que alguém assuma o poder no país e mexa com os interesses do grande capital. É o que, guardadas as devidas proporções, podemos usar inversamente para o caso venezuelano. Bom, vamos aos fatos...
Um pouco de história não faz mal a ninguém!
Antes de Hugo Chávez ser eleito, a Venezuela era um gigantesco poço de petróleo jorrando no quintal de uma das elites mais corruptas do mundo. O auge dessa situação obscena deu-se no último governo de Carlos Andrés Perez, aclamado pela grande mídia como um respeitável democrata. A população passava fome, a desigualdade era vergonhosa e a imprensa era governista. Chávez havia tentado chegar a poder por meio de um golpe. Não deu certo. Conseguiu chegar ao poder pelas eleições com sua tendência autoritária típica de um militar, seu personalismo típico de um líder e, o pior de tudo, disposto a mudar a situação de seu país - algo que nunca será perdoado por seus opositores.
Ao longo de seus 14 anos de governo (todos conquistados em sucessivas eleições), Hugo Chávez transformou a Venezuela no país menos desigual da América Latina. Como? Com o petróleo que antes jorrava para as elites e foi canalizado para políticas públicas.
Bom, a intenção aqui não é estender-me sobre o período de Chávez no poder, mas há questões sempre recorrentes que não podem ficar sem respostas:
Graças às sucessivas eleições que disputou, pois a Venezuela não tem limites de mandatos à reeleição. Isso não é exclusividade da Venezuela, só para lembrar...
2. Mas essas eleições não eram fraudulentas e manipuladas por Chávez?
O que posso dizer é que a União Europeia, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União de Nações Sul-Americanas, entre outros, reconhecem a transparência das eleições. Jimmy Carter, ex-presidente dos EUA, já declarou que o sistema eleitoral venezuelano era "o melhor do mundo". Ou seja, se as eleições da Venezuela são fraudulentas, todas as demais reconhecidas por essas organizações também são.
3. O que ele fez de bom pelo país?
- erradicou o analfabetismo (conforme decreto da Unesco de dezembro de 2005);
- duplicou a quantidade de crianças na escola;
- aumentou o número de estudantes universitários de 895.000 (2000) para 2,3 milhões (2011), com a criação de novas universidades;
- criou 7.873 centros médicos entre 2005 e 2012;
- o número de médicos passou de 20/100.000 habitantes (1999) para 80/100.000 (2010);
- reduziu à metade a taxa de mortalidade infantil;
- passou o país à categoria de nações com IDH elevado;
- a taxa de desnutrição infantil reduziu 40%;
- 95% da população com acesso à água potável;
- o maior salário mínimo da América Latina (em 2012, equivalia a 330 dólares);
- reduziu a jornada de trabalho a 6 horas diárias e até 36 semanais sem diminuição do salário;
- em 2012, a taxa de crescimento foi de 5,5%, uma das mais elevadas do mundo;
4. Mas lá não existe liberdade de expressão!
Digamos que Chávez não foi um exemplo de aceitação tranquila de pontos de vista opostos aos seus, mas ele morreu convivendo com críticas pesadas de jornais da oposição como "El Nacional", "El Universal", TalCual" e da rede de TV "Globovision".
5. Democracia ou ditadura?
Ouso colocar um trecho de um texto do brilhante jornalista, historiador e filósofo gaúcho Juremir Machado da Silva:
Como era bela a América Latina antes de Chávez e de outros como ele: a massa passava fome, o assistencialismo era feio, como não se conseguia alavancar o crescimento econômico para todos, o certo era deixar a plebe na miséria e esperar dias melhores. A mídia brasileira não chamava isso de usar as instituições contra elas mesmas nem de desvirtuamento da democracia. Os admiradores de Pinochet e de Geisel não discursavam contra o uso do petróleo por Caldeira, Perez e outros presidentes venezuelanos para alimentar seus bacanais. A Venezuela atolada na miséria e na corrupção não nos preocupava. Era democrática. Praticava a democracia da indiferença.
A democracia corrupta e excludente pré-Chávez era elegante, discreta, bem vestida, não fazia longos discursos, não cantava boleros, não recorria a heróis do passado para se legitimar. Roubava com solenidade. De democracia, tinha apenas o voto comprado, cabresteado, induzido, obtido com ajuda das mais modernas técnicas marqueteiras. Tudo ia bem no melhor dos mundos até que surgiu Hugo, o opositor, e não parou mais de ganhar eleições, que deixaram de ser sinônimo de democracia.
Tá, sor, e o Maduro?
Nicolás Maduro tem mostrado incompetência e imaturidade para lidar com a oposição e nem de perto lembra a imponência e jogo político de seu antecessor. Mas foi eleito e deve permanecer no posto até as próximas eleições se não violar a Constituição do país. E o Henrique Capriles vai continuar tentando na próxima e, talvez, consiga vencer o Maduro como em qualquer democracia. Sim, a Venezuela é uma democracia - em crise, mas é uma democracia! Em uma ditadura não tem governador de oposição, como o Capriles, discursando, comandando manifestações e preparando a derrubada do governo eleito. Em uma ditadura, não há jornais de oposição permanente. Mas, ao mesmo tempo, digo ser uma democracia em crise pois Maduro ataca a liberdade democrática ao mandar embora redes de TV internacionais e prender opositores, mesmo quando fazem de tudo para derrubar o governo ou incitar a violência. Maduro está acossado e falta-lhe traquejo para lidar com isso. Chávez passou por situação muitíssimo semelhante em 2002 quando foi destituído do poder, mas voltou aclamado pelo povo que não saiu da frente do palácio presidencial até a volta de seu líder. Falta à Maduro essa condição de articulista. Ele está acossado. De certo modo, sua situação se parece como a de Salvador Allende, em 1973, no Chile. Ambos tinham a direita forçando a deposição com os EUA ajudando por baixo do pano. Uma diferença: não se quer, na Venezuela, tirar Maduro para implantar uma ditadura mas substitui-lo por um governo neoliberal que freie as políticas sociais e devolva o lucro do petróleo aos ricos.
Sobre a crítica à liberdade de imprensa e de expressão ela não pode ser de todo descartada. Como disse, a crise democrática venezuelana faz com que o governo tome medidas de certo modo arbitrárias, mas seria um grande equívoco dizer que há censura no país. Se houvesse, sites como esse aqui não estariam no ar estampando a capa das principais revistas e jornais de oposição a Maduro e tais periódicos não estariam mais em circulação! (Como o site atualiza diariamente, se você acessar após isso tudo passar, não haverá mais notícias a respeito...)
Os que criticam o governo venezuelano sem argumentos (pois há motivos legítimos para criticar) o fazem por pura oposição ideológica, sem o mínimo de conhecimento e base para tanto. A Venezuela não pode se tornar uma ditadura, nem de esquerda nem de direita, mas precisa evitar que a democracia entre num beco sem saída.
Sobre a crítica à liberdade de imprensa e de expressão ela não pode ser de todo descartada. Como disse, a crise democrática venezuelana faz com que o governo tome medidas de certo modo arbitrárias, mas seria um grande equívoco dizer que há censura no país. Se houvesse, sites como esse aqui não estariam no ar estampando a capa das principais revistas e jornais de oposição a Maduro e tais periódicos não estariam mais em circulação! (Como o site atualiza diariamente, se você acessar após isso tudo passar, não haverá mais notícias a respeito...)
Os que criticam o governo venezuelano sem argumentos (pois há motivos legítimos para criticar) o fazem por pura oposição ideológica, sem o mínimo de conhecimento e base para tanto. A Venezuela não pode se tornar uma ditadura, nem de esquerda nem de direita, mas precisa evitar que a democracia entre num beco sem saída.
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