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O atentado da Rua Tonelero - há 60 anos

     Há exatos 60 anos ocorria o Atentado a Rua Tonelero naquele agosto que levou Getúlio Vargas ao suicídio. Geralmente, em questões de Vestibular e ENEM, quando não lembramos da resposta ou ficamos em dúvida entre mais de uma alternativa, recorrer à lógica pode ajudar a acertar a pergunta. Com Getúlio Vargas isso não funciona! O cara foi um dos maiores estrategistas da história do Brasil e assumiu posturas diversas ao longo de sua trajetória política.
     Getúlio assumiu a presidência pela Revolução de 1930 num governo provisório que durou até 1934, quando iniciou seu governo constitucional. Em 1937, com a farsa do Plano Cohen, iniciou sua fase ditatorial com o nome de "Estado Novo" - período no qual o "pai dos pobres" prendeu, torturou e matou adversários políticos. O estrategista Getúlio aliou-se, ao longo de seus governos, a Hitler, a Stalin e a Roosevelt. Entregou a Hitler a comunista Olga Benário na época em que caçava comunistas mas depois aliou-se aos comunistas com apoio direto de Prestes, ex-marido de Olga.
     Bem, vamos aos fatos que culminaram no atentado da Rua Tonelero e, consequentemente, ao suicídio do presidente. Ao voltar ao poder "nos braços do povo" com quase 49% dos votos, Getúlio manteve a implantação de um projeto desenvolvimentista baseado na forte presença do Estado nas áreas mais importantes para o desenvolvimento do país (siderurgia, petroquímica, energia e transportes). Assim, seu governo estimulava a industrialização e modernizava o país. Logo no início de seu último governo estabeleceu o monopólio estatal sobre o petróleo após a exitosa campanha de cunho nacionalista denominada "O petróleo é nosso".
Carlos Lacerda

 Apesar de toda a sua política a favor dos trabalhadores - com a aprovação de diversas leis trabalhistas em seus governos anteriores - Getúlio não conseguiu fugir das inúmeras greves e movimentos sociais em seu governo da década de 1950. As principais exigências eram pelos aumentos salariais e contra o aumento do custo de vida. A oposição soube aproveitar-se das críticas crescentes ao governo, em especial a UDN (União Demicrática nacional) que tinha como deputado federal o jornalista Carlos Lacerda, dono do jornal Tribuna da Imprensa. Lacerda, em seus pronunciamento no Congresso e nos artigos de seu jornal denunciava recorrentes casos de corrupção e desmandos administrativos do governo federal. Getúlio se defendia argumentando que grupos subalternos ligados a interesses internacionais e nacionais se uniram para impedir seu governo de avançar na proteção ao trabalho, limitação de remessa de lucros das empresas multinacionais para o exterior e fortalecimento das empresas públicas, sobretudo ligadas à área de energia

    E, em 1954, a situação estava feia pro lado de Getúlio. Quando João Goulart (na época, Ministro do Trabalho) concedeu 100% de aumento no salário mínimo, grupos da oposição reagiram violentamente e forçaram a renúncia de Jango ao cargo. Mas foi o episódio conhecido como "o crime da rua Tonelero" que desencadeou a crise final do governo Vargas. O atentado contra Carlos Lacerda foi um dos casos de maior amadorismo da história da humanidade. Primeiro, o cara encarregado de dar o tiro em Lacerda tinha feito esse tipo de serviço apenas uma vez e fracassou pois atirou na pessoa errada. Segundo, deram a ele uma arma de uso exclusivo das Forças Armadas e que nunca havia sido manuseada por ele, resultando na sequência de erros do atentado. Terceiro, o veículo usado para a fuga era um táxi que aguardava o atirador ao lado do Palácio do Catete. Se a intenção era ter êxito no atentado e afastar suspeitas sobre a figura de Getúlio, digamos que o asno articulador do episódio foi infeliz no planejamento. No fundo, não há provas da ligação de Getúlio com o evento, mas foi Gregório Fortunato, principal guarda-costas do presidente, quem assumiu ser o mandatário do atentado.

     Na madrugada de 5 de agosto de 1954, dois homens ligados à guarda pessoal de Getúlio atiraram contra Carlos Lacerda em frente ao edifício onde ele morava na Rua Tonelero, no bairro de Copacabana no Rio de Janeiro. No atentado, o tiro acertou o pé de Carlos Lacerda mas matou o major Rubens Florentino Vaz. Era o que a oposição precisava para agravar a crise política do governo Vargas. Além do ataque ao jornalista e deputado, o major Vaz era da FAB, mesma Força na qual atuava o brigadeiro Eduardo Gomes, também da UDN e candidato derrotado por Getúlio nas eleições de 1950. A FAB criou uma investigação paralela do crime e, dias depois, extinguiu a guarda pessoal do presidente. Os suspeitos foram caçados de helicóptero, uma novidade na época, e foram presos nas semanas seguintes. O primeiro julgamento dos suspeitos ocorreu somente em 1956 quando Gregório Fortunado, mandante confesso, foi condenado a 25 anos de prisão - mas foi assassinado na prisão, em 1962. 

     O episódio da Rua Tonelero foi só o início de um agosto nebuloso que começou com um tiro no pé de Carlos Lacerda e acabou com um tiro no peito de Getúlio. Mas, isso fica para as próximas postagens...

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