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Hitler, o Führer - 80 anos

Hindenburg (Presidente) e Hitler (Chanceler)
     Há 80 anos, às 09 horas do dia 02 de agosto de 1934, morria o presidente alemão Paul von Hindenburg aos 87 anos. Adolf Hitler era seu chanceler. Ao meio-dia, foi divulgado que, conforme lei emanada "no dia anterior", os cargos de chanceler e presidente tinham sido unificados. Ou seja, Hitler (45 anos) assumia os poderes de chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas do país. O título de "Presidente" ficava abolido e Hitler seria Líder (Führer) e Chanceler, assumindo sua função como guia e chefe da Alemanha Nazista.

     Em outra ocasião, pretendo tratar o Nazismo que é um dos temas mais recorrentes em Vestibulares e, disparado, o tema que mais chama a atenção de interessados por História. Por ora, vamos nos debruçar sobre a figura do seu mentor, o que não deixa de ser importante para entendermos sua ascensão ao poder e grande influência na política alemã (ouso dizer até mesmo europeia) até a atualidade.


     O lindo bebê da imagem ao lado é o austríaco Adolf Hitler. Antes que alguém me corrija, reforço: Hitler é austríaco! Não, ele não nasceu na Alemanha! Já aproveito para esclarecer: Hitler não defendeu a "raça alemã" mas a "raça ariana". Esse conceito é do século XIX, quando o diplomata e escritor francês Arthur de Gobineu apontou que todos os povos europeus de raça "pura" branca eram descendentes do antigo povo ariano (que teria suas origens na Ásia Central). Ariano significa "nobre" e representaria o ápice da civilização, um povo sem miscigenação, uma "raça pura". Esse conceito foi amplamente explorado por Hitler para provar a existência de um povo superior que tinha menos semelhanças com os primatas do que as demais "raças". Isso acabou servindo de justificativa para exterminar não só judeus mas todos aqueles que pudessem tornar essa "raça superior" próxima das "raças inferiores" moralmente.

     Voltemos ao bebê ao lado. Adolfo era um dos seis filhos de Alois e Klara. Na verdade, apenas ele e sua irmã caçula (Paula) sobreviveram à infância. Sua família vivia em Linz, no interior da Áustria. Aos 18 anos, órfão de pai e mãe, Adolf foi tentar a carreira de artista plástico em Viena, mas não obteve sucesso nas suas tentativas de ingressar na Academia de Belas Artes. Acabou ganhando a vida com pinturas copiadas para pagar seu aluguel. Foi em Viena, conforme relatos dele próprio em seu livro Mein Kampf, que ele comprou e leu os primeiros panfletos abertamente antissemitas.

     Em 1913, Adolf mudou-se para Munique pois, conforme seus relatos, desejava viver numa cidade alemã pois o Império Austro-Húngaro era demasiadamente multiétnico; queria viver num país mais homogêneo do ponto de vista racial. A ida para Munique fora também uma fuga do serviço militar obrigatório. Adolf foi localizado e obrigado a fazer o exame físico. Todavia, foi considerado inapto e voltou para Munique onde vendia quadros na rua.

Hitler na Primeira Guerra Mundial (sentado, à direita)
Hitler servindo na 1ª Guerra (sentado à direita, com bigodão)
     Em agosto de 1914, iniciava-se a Primeira Guerra Mundial e Hitler alistou-se no exército bávaro e serviu como mensageiro - uma posição perigosa pois envolvia exposição a fogo inimigo. Sua folha de serviço era exemplar mas, como era estrangeiro, nunca foi promovido além de cabo. Mas foi condecorado duas vezes por sua coragem em ação (em 1914 e 1918). Mesmo não sendo cidadão alemão, era um patriota apaixonado que ficou chocado com a capitulação da Alemanha ao fim da guerra, culpando os políticos pela posição do país.

     Hitler permaneceu no exército ao final da Guerra e atuava na supressão de revoltas socialistas que surgiram na Alemanha. Nesse período, participou de cursos de "pensamento nacionalista" e chegou à uma conclusão: a Alemanha capitulara na Guerra em função do "judaísmo internacional", dos comunistas e dos políticos de todos os setores - qualquer semelhança com o discurso político da direita atual não é mera coincidência! Foi então que ele escreveu o "Relatório sobre o Antissemitismo" no qual afirma que "lutaria de forma legal para remover os privilégios gozados pelos judeus em relação a outros estrangeiros. O objetivo final era o da remoção irrevogável dos judeus".

     Em 1920, após ser liberado do exército, começou a participar ativamento das atividades do NSDAP, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, conhecido como Nazi - em contraste com os Sozi (social-democratas). O partido adotou a suástica (supostamente um símbolo ariano) e a saudação romana já utilizada pelos fascistas italianos. O partido tinha o apoio da Sturmabteilung (SA), uma milícia paramilitar que atacava comunistas, minorias religiosas e gritava palavras de ordem.

     Nessa época, o Partido Nazista era constituído por poucos extremistas em Munique, mas Hitler tinha excelente oratória (basta ver qualquer vídeo de discurso dele!) e o poder de inspirar lealdade pessoal. Nas esquinas, Hitler fazia discursos atacando judeus, comunistas, liberais e capitalistas e, como todo discurso de dispara para todos os lados, atraiu muitos simpatizantes. Foi nessa época que conquistou seguidores como Rudolf Hess, Hermann Göring, Ernest Röhm (líder da SA) e Ludendorff, seus futuros aliados e ministros de governo.

     Em 1923, Hitler e seu partido tentaram derrubar o governo da região alemã da Baviera no evento que ficou conhecido como putsch (golpe) de Munique. O objetivo era tomar o governo bávaro para, dali, abocanhar o poder em todo o país. Mas a polícia bávara foi mais rápida e Hitler foi preso com outros correligionários como Rudolf Hess. Foi condenado há cinco anos de prisão, mas recebeu anistia seis meses depois. Na prisão, ditou o primeiro volume de seu livro Mein Kampf ("Minha Luta"), um espécie de biografia repleta de antissemitismo. Entre outros pontos, prega em seu livro a militarização da Alemanha e rechaça as coligações partidárias. Em 1926, já fora da prisão, foi escrito o segundo volume do livro. O tom biográfico dá espaço ao discurso político das ideias Nacional-Socialistas concluindo que os dois males do mundo são o comunismo e o judaísmo e a solução estaria na erradicação de ambos - há quem defenda isso ainda hoje.

     No livro, Hitler divide os seres humanos com base em atributos físicos e psicológicos. No topo da pirâmide estavam os "arianos". Na base, encontravam-se os judeus, polacos, russos, checos e ciganos - povos que, segundo ele, se beneficiavam aprendendo com os superiores arianos. Afirmava, ainda, que os judeus tentavam diluir a pureza racial e cultural da raça ariana.

     Estruturando-se para ascender ao poder, Hitler criou sua própria guarda pessoal, a SS comandada por Heinrich Himmler, o principal executor de seus planos com relação aos judeus durante a Segunda Guerra. A opção por criar uma unidade de proteção pessoal dava-se por falta de confiança na SA, uma base separada de poder dentro do partido que, assim, poderia não ser totalmente leal a seu líder. Foi ainda na década de 20 que criou as Juventudes Hitleristas e as associações de mulheres, organizações dentro do partido que desempenharam um papel fundamental para o sucesso de seu governo.

- Alguém se lembra de como saímos da Crise de 1929? 
- Eu, eu, senhor ... Eu sei.
     A partir de 1929, com a crise econômica mundial, o Partido Nazista teve uma progressão meteórica - semelhante à do Partido fascista de Benito Mussolini. Um elemento vital para o sucesso do discurso de Hitler era o sentimento de orgulho nacional ferido com o Tratado de Versalhes - no qual o Império Alemão perdeu territórios para França, Polônia, Bélgica e Dinamarca, além de assumir a responsabilidade única pela guerra, desistir de suas colônias e de sua Marinha e de pagar 32 bilhões de marcos em reparações de guerra. 

     Explorando habilmente as frustrações acima citadas e o sentimento antissemita enraizado na sociedade alemã da época, o Partido Nazista surgia como opção após a incapacidade dos social-democratas e dos partidos tradicionais de centro e direita de lidarem com o choque causado pela Grande Depressão (Crise de 1929). Assim, nas eleições parlamentares de 1930, o Partido Nazista recebeu 18% dos votos com direito a 107 lugares no Reichstag (parlamento alemão) e tornou-se o segundo maior partido do país. Hitler ganhou, sobretudo, votos da classe média (maiores atingidos pela inflação dos anos 20 e pelo desemprego pós-Crise), agricultores e veteranos de guerra.

      Nas eleições presidenciais de 1932, Paul von Hindenburg foi reeleito presidente com 53% dos votos no 2º turno. Hitler foi o segundo colocado nas eleições com 37% - com 13 milhões de votos a mais do que o Partido nazista havia recebido nas eleições anteriores.  O comunista Ernst Thälmann perdeu votos no 2º turno e terminou a disputa com 10%. Após eleito, Hindenburg sabia que seria impossível governar sem o apoio dos nazistas que detinham muitas cadeiras no Parlamento e negociou as exigências de Hitler garantindo a ele o posto de chanceler da Alemanha com direito a mais dois nazistas em seu gabinete: Göring e Wilhelm Frick.

     Nas eleições parlamentares de 1933, Hitler e seu partido criaram um grande temor de uma revolução comunista pois ocorrera um incêndio no Parlamento e os nazistas jogaram toda a culpa nos comunistas (o responsável teria sido o jovem holandês Marinus van der Lubbe, em protesto contra a ascensão dos nazistas), acusando-os de tentativa de golpe. Panfletos (como esse aqui ao lado) foram distribuídos pelos país: "Dia da Nação que Desperta". Os panfletos apontavam Hitler como salvador da pátria: "É preciso apoiá-lo agora em sua causa, com todos os meio". A campanha teve êxito e o Partido Nazista recebeu 44% dos votos ficando com 288 dos 647 assentos do Reichstag.

     Esse breve histórico apenas indica como Hitler foi galgando o mais alto escalão do poder na Alemanha. Com a morte de Hindenburg, em 2 de agosto de 1934, Hitler conseguiu aprovar uma lei às pressas para fundir os cargos de Presidente e Chanceler e tornar-se o Führer. Para conseguir isso tão rapidamente, Hitler expulsou do parlamento os deputados comunistas que ainda não haviam saído por medo das represálias e intimidou ministros dos demais partidos. Por meio de decretos, nos dias que se sucederam àquele fatídico 2 de agosto, o Führer suprimiu os demais partidos e proibiu qualquer oposição enterrando os últimos vestígios de democracia.

     No dia 19 de agosto de 1934, o povo alemão foi às urnas para um referendo questionando a posse de Hitler. E a vitória do Führer foi esmagadora: 90% dos votos, o que equivale a mais de 38 milhões de alemães. Assim, Hitler exigiu de todos os oficiais e membros das Forças Armadas um juramento de fidelidade: "Faço perante Deus o sagrado juramento de que renderei incondicional obediência a Adolf Hitler, o Führer do povo e do Reich alemão, comandante supremo das Forças Armadas, e de que estarei pronto como um corajoso soldado a arriscar minha vida a qualquer momento por este juramento". Teve início o Regime Nazista, mas isso é assunto para outro(s) post(s).

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