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51 anos do golpe de 1964 - Luiz Eurico Tejera Lisboa


     Parece absurdo mas, após 51 anos do golpe de Estado que depôs Jango e deu início ao período mais violento da história do Brasil, há pessoas indo às ruas e pedindo a volta da ditadura! Precisam de mais aulas de História, galera! Isso sim! 

     Bom, não vou aqui retomar o quanto a ditadura foi traumática no campo social, político, econômico, estratégico... Aproveitando a leva de postagens sobre o Rio Grande do Sul, falarei um pouco sobre um dos mortos pela ditadura iniciada em 1964 cuja trajetória tem forte ligação com o RS e cuja viúva é uma das maiores militantes pelas lutas dos familiares dos mortos e desaparecidos políticos da ditadura. Falarei de Luiz Eurico Tejera Lisboa, por memória, verdade e justiça!

     Luiz Eurico, Ico como era conhecido, era catarinense mas foi em Porto Alegre que iniciou sua militância política como líder da União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas, entre 1967-68. Ico era estudante do Colégio Julinho, uma das maiores escolas de Porto Alegre. Foi lá que ele se enamorou por Suzana com quem casou-se. Na época, a patrulha dos milicos intervinha na escola. No portão, impediam a entrada das moças de minissaia e dos rapazes de cabelos compridos - mas tinham uma máquina a postos para quem quisesse raspar a cabeça "voluntariamente". Ico dirigia o Grêmio Estudantil da escola e foi processado pela Lei de Segurança Nacional e passou a viver na clandestinidade. Passou por São Paulo, viajou a Cuba e retornou ao Brasil em 1971 na tentativa de reorganizar a Aliança Libertadora Nacional (ALN) em Porto Alegre. FOi preso e desaparecido pelos militares no início de setembro de 1972. Morreu sob tortura aos 24 anos de idade.
Foto de Ico com a esposa e a mãe em 1967. Ao lado, foto de 2012, no mesmo local, com a esposa e a mãe. Ico não estava mais ali. Os sorrisos também não...
    Suzana, sua esposa, começou a buscá-lo desde então. Localizou o corpo de seu esposo anos depois numa vala clandestina do cemitério de Perus - SP, onde desaparecidos políticos haviam sido enterrados como indigentes. Registrado com um nome falso, o corpo foi identificado e Ico foi o primeiro desaparecido político a ter o corpo localizado. 

     Ico era conhecido como "poeta guerrilheiro" pois escrevera diversos poemas. O mais famoso é aquele cujo trecho segue na imagem abaixo. O dom é de família. Ico é irmão do compositor e cantor gaúcho Nei Lisboa.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

     Suzana Lisboa, em entrevista ao Sul21, em 2013, falou sobre a dor de conviver com o desaparecimento: “Para mim, quando ficou provada a morte dele, foi o começo e o fim de um caminho. Do ponto de vista da emoção, eu tinha certeza que ele estava morto, mas é diferente quando descobri, quando achei um inquérito com o nome falso dele. Essa certeza íntima é fundamental. Já é difícil conviver com a morte, com a quase morte, então, é insuportável”. 

     Sobre o discurso comum de ex-agentes da repressão dizendo que é melhor deixar o passado como está, Nei Lisboa, irmão de Ico, comentou na mesma entrevista: “Quando dizem ‘não vamos remexer as feridas do passado’, estão falando de que feridas? Nós é que temos feridas, e queremos saber. Mas o caso específico do Luiz Eurico não é o mais importante. Não é um gesto pessoalizado, quero crer que não seja. Em nome dele, quero saber o nome de todos. A nossa ditadura conseguiu deixar como legado um silêncio primoroso”.

     É isso que queremos de volta? Eu não quero!

     Encerro com um dos poemas de Luiz Eurico:


É HORA
Há guerreiros da pena
Há guerreiros da espada
Há os homens que dão um braço
Pelo fragor da batalha
Eu
Sou poeta da revolução
A minha pena é uma espada
E o meu canto
Se eu canto
É um canto de guerra
Guerreiros
A verdadeira vitória
Está na justeza da luta
Colocai-vos na liça!
A grande batalha já se desenrola
E ninguém lhe está indiferente
Quem cala, compactua
Quem baixa as armas
Aceita a opressão
Fortalece os tiranos
Escrito em 07.06.1967

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