Pular para o conteúdo principal

A Esquerda na América Latina

Os conceitos de "direita" e "esquerda" para tratar de posicionamento político surgiram no contexto da Revolução Francesa. Esquerda e direita eram apenas lugares de cadeiras na Assembléia Nacional Francesa. Os mais radicais contra o Antigo Regime Absolutista acabaram ficando com a "esquerda", e os partidários da permanência do sistema vigente com a "direita". Posteriormente, tais conceitos foram transpostos para as correntes ideológicas: as correntes socialistas assumiram o papel de "esquerdas" e as correntes conservadoras como "direitas".




Nas décadas de 1960 a 1980, a América Latina foi marcada por ditaduras militares associadas à implantação maciça do sistema capitalista neoliberal. A década de 1990 foi marcada por grandes mudanças devido à insatisfação com as políticas que regiam o continente. O reflexo dessa insatisfação é melhor percebido no final da década e início dos anos 2000, quando vários países apostaram em governos de esquerda – alguns menos outros mais radicais mas todos buscando alternativas para o imperialismo estadunidense. O ex-Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, fala de um processo de "esquerdização" na América Latina: "O que há, sem dúvida nenhuma, é uma tendência de governos mais comprometidos com reformas sociais, com maior autonomia em relação às grandes potências do mundo e maior vontade de integração regional. Se você identificar esquerda com a visão de progresso, reforma social, democracia e com forte defesa dos interesses nacionais, a resposta à sua pergunta é sim."


Após séculos de exploração (primeiro da Europa e depois dos EUA), a América Latina parece cansada de ter sua soberania violada e busca as urnas com esperança de mudanças do atual sistema. Todo esse processo iniciou-se, na verdade, com a Revolução Cubana (1959) quando a guerrilha comandada por Fidel Castro derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista e implantou um sistema socialista que permanece até nossos dias. Por causa da implantação do regime socialista em Cuba, a maior parte dos países latino-americanos assumiram um programa de "Doutrina de Segurança Nacional" (um nome bonito para encobrir o que conhecemos por ditadura) em defesa dos interesses burgueses / capitalistas nacionais.


São grandes os desafios e tarefas que essa esquerda latino-americana encontra pela frente, principalmente, quando se trata de governantes interessados em um governo realmente popular (poucos, pois a maioria acaba fazendo um governo de aliança com o capital). Mas temos casos bem particulares por toda a América e veremos o caso dos países mais emblemáticos:


VENEZUELA: após décadas de domínio das oligarquias petrolíferas (o petróleo corresponde a mais de 80% da economia venezuelana), Hugo Chávez foi eleito presidente em 1999 e, desde lá, após sucessivos referendos, tem conquistado a reeleição graças a uma administração popular revertendo os lucros do petróleo (que agora é estatal – PDVSA) para as camadas mais baixas da população. Sobre o presidente, a mídia critica fortemente sua forma caudilhesca e populista de governar – alguns acusam-no de ditador. O que pouco comenta-se é a conquista da erradicação do analfabetismo, da possibilidade de livre ingresso na universidade pública, o aumento significativo na quantidade de clínicas médicas... Hoje, o país vive certa crise financeira, principalmente após as enchentes e desastres naturais que castigaram o país nesse ano. Vale lembrar que, em virtude dessas catástrofes, o presidente Hugo Chávez recebeu do Legislativo o poder de governar por decreto por 18 meses – o que lhe permite governar sem necessidade de aprovação das leis pelo Congresso Nacional.


ARGENTINA: a sanguinária ditadura e os erros econômicos dos governos democráticos acabaram levando à crise que atingiu seu auge em 2001 quando o país mergulhou na sua pior crise institucional e econômica: houve violentos protestos de rua, confrontos com a polícia e mortes. A crise resultou na denúncia do presidente Fernando de la Rúa, que foi substituído, interinamente, por Eduardo Duhalde, um peronista de centro-esquerda. No final de 2002, a economia argentina começou a estabilizar-se mas a taxa de desemprego ainda beirava os 25%. Em maio de 2003, Néstor Kirchner – um peronista social-democrata – foi eleito e, entre outras medidas, pagou a dívida com o FMI, nacionalizou empresas e renegociou dívidas do país. Com uma política de crescimento econômico e favorável aos movimentos sociais, Kirchner conseguiu eleger sua esposa, a senadora Cristina Kirchner, em 2007. Cristina enfrentou a crise financeira mundial de 2008/2009 com políticas de intervenção estatal em complicados setores da economia. Após uma crise de popularidade, atualmente Cristina subiu de 21% para 49% de aprovação – esse índice está relacionado com a comoção nacional com a morte do marido no ano passado.


URUGUAI: até a década de 1960, o Uruguai era chamado de "Suíça da América" por seu perfil de país desenvolvido, altos índices sociais e estabilidade política. Em 1973, o golpe militar rompeu com tal conceito e o país enfrentou desestabilização econômica e repressão aos movimentos sociais. A ditadura acabou em 1984, mas a recessão econômica continuou. A década de 1990 foi marcada por privatizações, diminuição dos gastos públicos e elevação da taxa de desemprego. O descontentamento popular levou à vitória, em 2004, da coligação de centro-esquerda Frente Ampla com o candidato Tabaré Vázquez e, em 2009, do ex-guerrilheiro tupamaro José Mojica. A popularidade do atual presidente está em queda (assumiu com 74% e hoje tem 44% de aprovação). Entre os principais aspectos negativos do atual governo apontados pela população estão a diminuição da segurança pública, os baixos salários e o aumento dos preços.


PARAGUAI: após seis décadas de domínio do Partido Colorado e sucessivos golpes militares, em 2008, Fernando Lugo (ao lado) foi eleito presidente pela Alianza Patriótica para el Cambio. Lugo é um teólogo e ex-bispo católico, criticado por boa parte da esquerda por fazer acordos com EUA e Colômbia, governos claramente identificados como direita.

BOLÍVIA: esse país que passou por diversos golpes militares, foi governado por partidos de esquerda de 1982 até 1997, quando o ex-ditador – algo que só uma democracia pode explicar! – Hugo Banzer foi eleito presidente. Após o governo do ex-ditador boliviano revoltas populares se sucederam e derrubaram quatro presidentes no curto período de 2001 a 2005. Na eleição presidencial de dezembro de 2005, Evo Morales foi eleito pelo partido MAS (Movimiento ao Socialismo). O grande destaque de sua vitória deve-se ao fato de ser o primeiro índio eleito presidente num país com maioria indígena – é o povo buscando sua representação! Seu governo passou por momentos polêmicos como a renacionalização dos hidrocarbonetos ativos, o que obrigou a Petrobrás (que importava 2/3 do gás boliviano) a produzir gás natural para consumo nacional. Morales segue com a popularidade em alta, 59%, embora já tenha caído bastante sua aprovação.


EQUADOR: "A lógica do governo Rafael Correa é a combinação de um sistema de poder representacional – Aliança del País, uma agrupação partidária criada pelo próprio Correa – com um sistema de participação social mais amplo, de caráter popular, apoiado em movimentos sociais urbanos, rurais e indigenistas", analisa Dimas Floriani, professor do departamento de Ciências Sociais da UFPR e coordenador acadêmico da Casa Latino-Americana (Casla). O presidente Rafael Corrêa eleito em 2006 propôs um governo nacionalista, sem alianças com Banco Mundial ou FMI, e a favor de uma participação maior do Estado na exploração do petróleo (inclusive em atrito com a Petrobrás).


BRASIL: dispensando muitos comentários, é sabido que o Brasil é governado pela esquerda desde 2002, quando o metalúrgico Lula assumiu a Presidência, seguido por Dilma Rousseff. Os presidentes do Partido dos Trabalhadores (PT) optaram por um governo aliado ao capital com alguns sinais de gestão popular como o Bolsa Família, o PROUNI, entre outros. É verdade que o Brasil é visto pelos demais países latinoamericanos como "imperialista" pois representa certa "dominação" sobre seus vizinhos. Mesmo assim, Lula e Dilma mantem relações amigáveis com os outros governos de esquerda (e os de direita também!).


PERU: após a ditadura de Alberto Fujimori, a esquerda ampliou seu espaço entre os eleitores do país e, após o governo de Alan García, foi a vez de um ex-guerrilheiro com discurso moderado (inspirado em Lula) vencer as eleições desse ano, Ollanta Humala. Seu governo (que iniciará no dia 28) tem apoio declarado de Evo Morales e Hugo Chávez.


Além desses países, cabe citar a Nicarágua governada por Daniel Ortega, do partido Sandinista que derrotou a ditadura da família Somoza, e também El Salvador que após 20 anos de governos de direita elegeu Maurício Funes, que segue com índices de popularidade acima de 80%.


Em meio a tantos governos de esquerda, dois países destacam-se na contra-mão dessa "onda vermelha". A Colômbia, velha aliada dos EUA no sul da América, após dois mandatos de Álvaro Uribe segue sendo governada pela direita com Juan Manuel Santos. O Chile, após vários governos de esquerda – sendo o último de Michele Bachelet que deixou o governo com 86% de popularidade mas não conseguiu eleger seu sucessor – trouxe a direita de volta ao poder com Sebastián Piñera, o qual após ampliar sua popularidade com o drama no mineiros, está em queda e suscitando cada vez mais a revolta popular.

Comentários

Postar um comentário

Comente a vontade... e com respeito, claro!

Postagens mais visitadas deste blog

A Guerra do Paraguai (1864-1870)

     Antes de falar propriamente do conflito, vamos recordar que o antigo Vice-Reinado do Rio da Prata não sobreviveu como unidade política ao fim do colonialismo espanhol. Com as independências americanas, nasceram, naquele espaço territorial após longos conflitos, a Argentina, o Paraguai, a Bolívia e o Uruguai.  Independências latino-americanas      A República Argentina surgiu depois de muitos vaivéns e guerras em  que se opunham os unitários e os federalistas. Os unitários defendiam um modelo de Estado centralizado, sob o comando da capital do antigo vice-reinado, Buenos Aires. Seus principais defensores eram os comerciantes da capital que, assim, poderiam assegurar o controle do comércio exterior argentino e apropriar-se das rendas provenientes dos impostos alfandegários sobre as importações. Já os federalistas  reuniam as elites regionais, os grandes proprietários, pequenos industriais e comerciantes mais voltados para o mercado interno. Defendiam o Estado descentrali

A Direita na Europa

Se a América Latina tem seguido o rumo a esquerda, a Europa vai à direita. É o que se tem observado com o crescimento dos partidos de direita no Velho Mundo. Em postagem recente, trabalhei os conceitos de esquerda e direita e, sim, eles existem hoje e são perceptíveis. É verdade que a direita na Europa tem procurado se "modernizar" para conquistar a maioria dos eleitores. E, com a crise econômica mundial de 2008, houve a consolidação dessa tendência de "direitização europeia". Isso já ocorreu na crise de 1929, quando os governos de direita ganharam força depois da crise com Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália, por exemplo. Calma, isso não quer dizer que a Europa esteja a beira de u m novo nazismo. Não é para tanto! Mas a crise faz com que o eleitorado opte por governos tradicionais, conservadores, com os quais saibam que não haverá mudanças de rumos e tudo seguirá como está e talvez até melhore. De acordo com o escritor e jornalista Álvaro Vargas Llosa, "a

História do Rio Grande do Sul - Os Sete Povos das Missões

     Instrumento importante da Igreja na Contra-Reforma, a Companhia de Jesus foi criada por Inácio de Loyola, em 1534 (oficializada pelo Papa Paulo III em 1540), com o objetivo de "recatolizar" as regiões convertidas ao protestantismo. Sua atuação na América foi marcante, mas estiveram, também, na Índia, China e Japão durante essa época. Na América Portuguesa, a atuação dos jesuítas iniciou-se em 1549 em Salvador - na América Espanhola iniciou em 1610.      Nem sempre os jesuítas eram eficazes em sua conversão dos nativos. Após uma conversão inicial, marcada pelo batismo, muitos guaranis retornavam às suas práticas indígenas não sendo fieis às práticas e costumes cristãos. As reduções, no entanto, serviram à Coroa portuguesa, pois o "adestramento" dos nativos facilitava o acesso de mão-de-obra barata e abundante aos paulistas que tinham grande dificuldade de fazer cativos indígenas. Como eram hábeis agricultores, os tupi-guaranis eram "de grande valor&qu