Há exatos 40 anos acontecia, no Chile, o golpe de Estado que derrubou o governo democrático de Salvador Allende.
Podemos dizer que o golpe começou com a renúncia forçada de Carlos Prats, Comandante em Chefe do Exército, em 21 de agosto de 1973. Prats era considerado legalista e constitucionalista demais pelos generais mais conservadores que pressionaram pela sua saída pois viam nele uma proximidade muito grande aos ideais de Salvador Allende. Daquele dia em diante, o golpe passou a ser arquitetado.
No dia 23 de agosto, o general Augusto Pinochet assumiu o comando do Exército jurando fidelidade ao governo de Allende e parecia-lhe leal.
O golpe teve apoio estratégico, financeiro e militar dos EUA por meio da CIA. Na manhã de 11 de setembro de 1973, vasos de guerra estadunidenses colocaram-se em prontidão no limite das águas territoriais chilenas prontos para invadir o país em caso de resistência ao golpe. Além disso, 34 caças e aviões de observação da força aérea dos EUA estavam a disposição na base aérea de Mendonza, na fronteira com a Argentina. Ou seja, estava tudo pronto para a guerra caso Allende e seus partidários resistissem.
Salvador Allende foi alertado sobre a "presença" estadunidense no país e dirigiu-se ao Palácio de La Moneda, tentando localizar os chefes das Forças Armadas que, até então, pensava serem seus colaboradores. Antes das 9h da manhã, Allende foi surpreendido pela mensagem via rádio da Junta Militar exigindo que ele entregasse o cargo e evacuasse o palácio para evitar o ataque - nesse momento, os Carabineros já estavam de prontidão do lado de fora da sede do governo. Allende afirmou que ficaria no palácio.
Cerca de uma hora depois, começaram a chegar os primeiros tanques de guerra e ocorreram os primeiros confrontos com os atiradores leais ao governo. Pela rádio dos trabalhadores (talvez a única não tomada, ainda, pelos militares golpistas) Allende fez seu último pronunciamento:
"Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Magallanes. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para quem traiu seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares, o almirante Merino, que se autodesignou comandante da Armada, e o senhor Mendoza, general rastejante que ainda ontem manifestara sua fidelidade e lealdade ao Governo, e que também se autodenominou diretor geral dos carabineros.Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: Não vou renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade ao povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez.Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição, que lhes ensinara o general Schneider e reafirmara o comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estará esperando com as mãos livres, reconquistar o poder para seguir defendendo seus lucros e seus privilégios.Dirijo-me a vocês, sobretudo à mulher simples de nossa terra, à camponesa que nos acreditou, à mãe que soube de nossa preocupação com as crianças. Dirijo-me aos profissionais da Pátria, aos profissionais patriotas que continuaram trabalhando contra a sedição auspiciada pelas associações profissionais, associações classistas que também defenderam os lucros de uma sociedade capitalista. Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e deram sua alegria e seu espírito de luta. Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque em nosso país o fascismo está há tempos presente; nos atentados terroristas, explodindo as pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos, frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam comprometidos.A historia os julgará.Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranqüilo de minha voz não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la. Sempre estarei junto a vocês. Pelo menos minha lembrança será a de um homem digno que foi leal à Pátria. O povo deve defender-se, mas não se sacrificar. O povo não deve se deixar arrasar nem tranqüilizar, mas tampouco pode humilhar-se.Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.
Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a covardia e a traição."
O último discurso de Salvador Allende também pode ser ouvido aqui.
Pouco antes das 12h, o bombardeio aéreo ao palácio começou e a residência particular de Allende também foi alvo de ataques. O incêndio no palácio começou mas o presidente e seus partidários não aceitaram render-se. Antes das 14h, o palácio foi tomado pelo Exército. Allende ordenou a seus companheiros que deixassem o prédio mas ele lá permaneceu e, segundo o testemunho de seu médico pessoal, suicidou-se.
Por que a direita não tentou voltar ao poder pelas urnas, como fizera Allende?
Para os partidários da direita, estava claro que as chances de retomar ao poder pela via democrática eram mínimas pois mesmo com toda a instabilidade econômica e social (provocada pelo boicote dos setores proprietários) a Unidade Popular crescia sua popularidade junto à população. Nas eleições parlamentares de março de 1973, a Unidade Popular obteve 44% dos votos superando os 36% da eleição de 1970. Ou seja, vencer o partido nas próximas eleições presidenciais seria tarefa difícil.
Assim, se quisessem manter a "ordem", a violência do golpe de Estado deveria ser proporcionalmente maior do que toda a mobilização dos trabalhadores e deveria atingir aos que apoiavam ou simpatizavam com o movimento. Não foi por acaso que logo após o ataque ao Palácio de La Moneda e da morte de Salvador Allende, os primeiros presos políticos foram levados ao Estádio Nacional, primeiro centro de tortura e morte do regime militar chileno.
Com o golpe de Estado, a Junta Militar assumia o governo. A Junta era constituída pelos comandantes das Forças Armadas: o general Augusto Pinochet (Exército), o brigadeiro Gustavo Leigh Guzmán (Aeronáutica), o almirante José Toríbio Merino Castro (Marinha) e o Diretor Geral de Carabineros (equivalente a Polícia no Brasil) César Mendonza Durán.
Em junho de 1974, Augusto Pinochet assumiu formalmente como Chefe Supremo da Nação.
Na próxima postagem, falarei sobre a ditadura militar no Chile.
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