Segue um texto bem interessante de Voltaire Schilling
Evidentemente que a senhora Margaret Thatcher foi uma das personalidades mais exponenciais dos tempos finais da Guerra Fria. Eleita por três vezes como primeira-ministra da Grã-Bretanha (de 1979 a 1990), fez fama como ultraconservadora e antipermissiva, em qualquer sentido da palavra.
Devido ao seu alardeado anticomunismo e anti-sindicalismo militante, o Jornal Estrela Vermelha, periódico jornal militar soviético, a batizou de Dama de Ferro. Caiu-lhe bem.
Sua ascensão ao poder em 1979 deve ser entendida sob o pano de fundo da reação ao Movimento de 1968 que sacudiu parte considerável do mundo ocidental anos 1970 adentro. Londres e outros centros industriais se viram áreas de infindáveis manifestações de descontentamento. As arruaças estudantis se sucediam aos distúrbios sindicais.
A senhora Thatcher contra o Estado de bem-estar social
Naquela época pré-Thatcher, durante a desastrosa gestão do Partido Trabalhista (Harold Wilson e o infeliz James Callagham), não havia dia em que parte considerável da capital não estivesse paralisada por algum tipo de movimento de protesto ou reivindicação.
Naturalmente que isto foi a base crescente da irritação da classe média, e mesmo de outros setores operários, para que houvesse um basta naquilo. O Reino Unido estava atrás de uma mão forte. E esta inquestionavelmente era a senhora Thatcher. Venceu as eleições gerais de fevereiro de 1979 com larga vantagem: fez 13,7 milhões de votos, equivalente a 44% do eleitorado, batendo com folga os trabalhistas (J. Callagham) e os liberais (David Steel).
A política econômica que ela adotou - inspirada abertamente nos princípios do neoliberalismo de F. Hayek e Milton Friedman - que pregava a superioridade do mercado, visava objetivamente ao enfraquecimento da classe operária e ao esvaziamento dos históricos Union Trades, os sindicatos ingleses, para reduzir-lhes ao máximo a combatividade. Além disto, abriu guerra contra o Estado de Bem-Estar Social. Este estava baseado no Relatório Benveridge, de 1942, e foi implantado na Grã-Bretanha em 1945 pelos trabalhistas de Clement Attle, política social que, segundo os conservadores, só estimulava a preguiça da classe operária e a neutralização da iniciativa individual.
Passar recursos aos pobres era dar pérolas aos porcos, todos caíam na vadiagem e no aumento do consumo de bebidas. Para sustentar tal "farra", os impostos não paravam de aumentar e a inflação acelerava. Nada que agradasse aos ricos que se viam obrigados a taxações maiores.
A madrasta dos pobres
Batalhas memoráveis foram travadas contra as agremiações de operários e de outros setores organizados, tais como a famosa greve dos mineiros que se estendeu por um ano na inútil tentativa de evitar o fechamento das carvoarias. Pouco tempo depois, ela, que assumira o ministério, então com um milhão de desempregados, os fez saltar para 3 milhões. Fazia muito tempo que a Grã-Bretanha, tão respeitadora da hierarquia e do harmônico convívio entre capitalistas e operários, não assistia a uma luta de classes tão descarada e intensa.
Isto estava em sintonia com a mais direitista personalidade de todos os políticos britânicos em todos os tempos. Basta lembrar que quando ela assumira a Pasta da Educação no governo de Edward Heath (1970-1974) determinara a supressão de leite gratuito para os escolares ingleses, entre 7 e 11 anos, exigindo que pagassem. Apelidaram-na de Milk Snatcher, sequestradora de leite.
A série infindável de ataques de Margaret Thatcher à classe operária e suas instituições fez com que os conservadores e os neoliberais, seus companheiros de viagem, a promovessem como uma espécie de Santa Protetora do patriciado e das grandes corporações. O escudo dos bem-de-vida e o terror dos pobres.
Imediatamente a mídia anglo-americana a projetou como uma heroína do Ocidente, enfrentando corajosamente, lado a lado ao Presidente Ronald Reagan, o dragão proletário e o subversivo urso soviético.
Contra a unidade alemã e europeia
Criticou veementemente a invasão russa do Afeganistão, em 1979, mas isto não a constrangeu de enviar uma força expedicionária com uma poderosa esquadra para vir abater os militares argentinos (os legítimos donos das ilhas Malvinas/Falklands). Fator que garantiu facilmente sua reeleição em 1983.
Quando se tornou evidente que as duas Alemanhas marchavam para a unificação, ela não teve nenhum prurido moral em não criar obstáculos a que ex-combatentes ingleses erguessem uma estátua ao comandante brigadeiro Arthur Harris, apelidado desde a Segunda Guerra Mundial de 'Bomber' Harry, ou, ainda pior, 'Butcher' Harris (Harry, o açougueiro). Assessor de Winston Churchill para assuntos estratégicos da Real Air Force (RAF), ele ganhou má fama inclusive entre seus companheiros de farda por ordenar ataques devastadores contra as cidades operárias alemães, sendo que sua mais infeliz operação foi a destruição da cidade de Dresden - uma joia do barroco saxão - em fevereiro de 1945, quando a Alemanha não podia mais reagir nem se defender, causando mortes estimadas entre 30 mil e 60 mil civis. Ao final da guerra, mais de 600 mil civis alemães haviam sido mortos.
Quando os alemães reclamaram, ela se fez de surda. De certo modo, a senhora Thatcher ainda continuava em guerra contra Alemanha (Helmut Kohl, chanceler alemão, escreveu nas suas "Memórias" que nunca havia sido tão maltratado quando do seu encontro com a primeira-ministra).
Sua posição antiintegração europeia se devia exatamente a esta ojeriza que ela, inglesa ultranacionalista, tinha da Alemanha. Acreditava que os alemães controlariam a Europa sem dar um tiro, o que era um desaforo para a Grã-Bretanha que os batera por duas vezes no século. Então, se jogou ainda mais nos braços dos Estados Unidos de Ronald Reagan, seu irmão ideológico.
Simpática aos tiranos
Estranhamente classificada pelo presidente Obama como uma "lutadora pela Liberdade", a senhora Thatcher não somente visitou Frederik Willem de Klerk, o presidente da África do Sul durante o apartheid, regime isolado pelo restante do mundo (oportunidade em que classificou o partido de Nelson Mandela de "típica organização terrorista"), como também visitou o general Augusto Pinochet, que havia sido confinado, a pedido da Justiça espanhola, em prisão domiciliar em Londres durante um curta viagem. Chamou-o de "grande defensor da liberdade", desconsiderando abertamente a massa de denuncias de atrocidades comprovadas e praticadas pelo tirano latino-americano.
A sua capacidade de atrair ódio era impressionante. Ao se negar a tomar qualquer medida de conciliação com os guerrilheiros do IRA presos na Inglaterra, em greve de fome, acabou por ser alvo de seus colegas. Quase a mataram numa violenta explosão por poderosa bomba num hotel em Brighton, durante a Convenção Anual do Partido Conservador, em 12 de outubro de 1984.
O retiro da senhora Thatcher
Com a aproximação do final da década de 1980, o thatcherismo parecia esgotado. A pá de cal do seu governo foi sua teimosa insistência em criar o que ela denominou de "imposto comunitário". Até então, os munícipes da Grã-Bretanha pagavam um imposto predial avaliado segundo o valor do imóvel e sua localização, como ocorre nas modernas sociedades democráticas. Em seu descontrolado ódio aos pobres, a senhora Thatcher decidiu alterá-lo. Quis substituí-lo por um imposto per capita. Quanto mais pessoas habitassem um lar, maior seria a taxação, jogando o ônus da sustentação municipal para a parte menos aquinhoada da população e aliviando o bolso dos que tinham renda mais alta.
Súditos ingleses têm uma longa história de repúdio à alta dos impostos (vide a Revolução Puritana de 1642-1660). Chamaram-na de Poll tax, um odiado tributo que caíra em desuso. O resultado não se fez tardar. Londres explodiu em violentas demonstrações antiimposto. Mais de cem pessoas foram feridas, entre elas 45 policiais e 20 montarias da guarda. Estações de luz e transporte foram fechadas por razões de segurança. No West End, área de teatros e música popular, 340 pessoas foram levadas detidas, enquanto a polícia era ataca por bastões, canos e barras de ferro. Nos dias seguintes, 70 mil marcharam pelas ruas da capital. Nem lhe deram tempo suficiente para celebrar a queda do Muro de Berlim e o fim do tão odiado Comunismo.
Ela, que exatamente fora eleita para por fim às manifestações, terminou quase que deposta por uma delas. A liderança conservadora, assustada como a expansão do levante, na medida em que não a convencera a voltar atrás, decidiu por removê-la da chefia do partido, indicando para o seu lugar o moderadíssimo John Major. A rainha providenciou-lhe um título de baronesa e um assento na Câmara dos Lordes, antigo museu da aristocracia inglesa. O reino da senhora Thatcher chegava então ao fim.
Thatcher e os tempos de Dickens
Não deixa de ser interessante especular como uma seguidora da extrema-direita chegou a aqueles pícaros. A senhora Thatcher identificava-se muito mais com os tempos vitorianos, quando as classes operárias e os trabalhadores em geral "sabiam o seu lugar", e os pobres não recebiam nenhum tipo de auxílio do governo.
Certamente, por ela os endividados deveriam continuar a ser presos, eles e suas famílias, como Charles Dickens cansou de relatar em seus romances (ver Mister Pickwitt). E ela provavelmente não veria mal algum, se houvesse condições, em ressuscitar as Poor Laws, as leis do pobres, de 1834, com suas Workhauses ("casas de correção"), cuja desumanidade foi fortemente denunciada não só por Charles Dickens, mas por Francis Eleonor Trollopen e Jack London, e que só foi abolida pela legislação trabalhista em 1948.
Thatcher assemelha-se em muito a Ebenezer Scrooge, o vilão de Charles Dickens do Conto de Natal, de 1843, que relata a história de um avarento, frio e sem sentimentos, indiferente não só à felicidade dos outros como infenso a qualquer tipo de alegria.
A senhora Thatcher, para fins eleitorais, gostava de espalhar, ainda que estudasse em Oxford, a mais elitizada das universidades britânicas, que fora "filha de verdureiro", quando, na verdade, era casada com um homem muito rico que ofereceu seus fundos para que a esposa se lançasse com grande sucesso na política. Muito simpática, não era, contudo, uma mulher de bom coração.
eu não repeito esse texto por que sofre grande influência ideológica esquerdista. tá uma merda esse post
ResponderExcluirRespeito teu direito de não gostar do post. Ele não é de minha autoria mas é a reprodução de um texto de Voltaire Schilling. Quanto à ideologia, qualquer ato de qualquer pessoa é pautada por suas ideologias - o teu comentário, inclusive - pois elas estão explícitas nos nossos pensamentos, palavras, atos e omissões. Obrigado pela visita!
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