Como vimos na postagem anterior, o golpe militar vinha sendo gestado há uma década. E por que ele foi ocorrer somente em 1964?
Não
custa lembrar que, à época, o mundo estava
dividido em dois grandes blocos: um pólo era comandado
pelos Estados Unidos e o outro pela União Soviética. Essa divisão de poder
mundial teve como cenário de fundo o resultado da Segunda Guerra Mundial, com
as potências vencedoras dividindo o planeta em duas grandes áreas de influência
no conflito conhecido como “Guerra Fria”. Pois bem, nesse tabuleiro de apenas
duas cores, o Brasil permaneceu na órbita da diplomacia estadunidense. Um fato
mudou completamente a tensão entre as potências no território latino-americano
a Revolução Cubana de 1959. A aproximação cada vez maior de Cuba à União
Soviética – inclusive pela posterior adesão ao regime socialista na ilha –
marcou profundamente a política exterior dos EUA, que não aceitaria uma nova
revolução em seu “quintal”. Para garantir que os governos da região permanecessem
como aliados, os EUA apoiaram ou patrocinaram golpes militares contra qualquer
mudança significativa na estrutura política, econômica e social dos países da
América Latina. Sobre a América Latina, falaremos em outra ocasião. Por ora,
falaremos do caso brasileiro.
O que fez João Goulart, o Jango, para “merecer” o golpe
de Estado? De que lado ele estava no conflito EUAxURSS? De lado nenhum. Jango
optou por uma política externa independente: manteve relações diplomáticas com
a URSS; manifestou-se contrário às
sanções impostas ao governo cubano e recusou-se a apoiar a invasão a Cuba,
proposta pelo presidente Kennedy ao mesmo tempo em que criticava o modelo
cubano e mediou, a pedido dos EUA, a questão da suposta instalação de mísseis
soviéticos na ilha.
No campo econômico, seu principal
objetivo era a contenção da inflação aliada ao crescimento real da economia,
prevendo também as chamadas reformas de base – que tanto preocupavam alas mais
conservadoras, elites e partidos de oposição –, já anunciadas no regime
parlamentarista e que incidiam sobre as estruturas agrária, bancária, fiscal,
entre outras. Em dezembro de 1963, o presidente Goulart aprovou a previdência social para os trabalhadores rurais, a
obrigatoriedade das empresas com mais de 100 empregados proporcionarem ensino
gratuito e o 13º salário para o funcionalismo público.
Em 1964, em meio às tensões sociais por reformas e à pressão externa pela
manutenção da estrutura vigente, precipitaram-se os acontecimentos. Em 13 de
março, o presidente discursou na Central do Brasil para 150 mil pessoas,
anunciando reformas como a encampação de refinarias particulares de petróleo,
além da desapropriação de terras não utilizadas às beiras de estradas federais
para fins de reforma agrária. O discurso nacionalista e com tendências mais à
esquerda fez os militares, elite e alas mais conservadoras da sociedade temerem
uma “comunização” do Brasil – o que tinha chances mínimas de ocorrer.
Em 19 de março, realizou-se, no Rio de Janeiro, a “Marcha da Família com
Deus pela Liberdade”, organizada pela Campanha da Mulher pela Democracia
(Camde) e a Sociedade Rural Brasileira (SBR), entre outras entidades.
Em 25 de março ocorreu a Revolta dos Marinheiros, quando marinheiros e fuzileiros
navais contrariaram ordens do ministro da Marinha e foram, posteriormente,
anistiados por Goulart, acirrando as tensões entre seu governo e os setores
militares.
No dia 30 de março, o presidente compareceu a uma reunião de sargentos,
discursando em prol das reformas pretendidas pelo governo e invocando o apoio
das Forças Armadas – o que não ocorreu. Em 31 de março de 1964, o comandante da
4ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora, Minas Gerais, iniciou a
movimentação de tropas em
direção ao Rio de Janeiro para dar o golpe na madrugada do dia 1º de abril.
Houve tentativas de resistência, mas Jango não estava disposto a, novamente,
brigar para manter seu cargo. Os militares, com apoio de alguns setores da
sociedade civil e com adesão massiva de empresários e dos meios de comunicação,
tomaram o poder e o novo governo já foi reconhecido pelo presidente
norte-americano, Lyndon Johnson, poucas horas
depois.
Amanhã, postarei uma publicação
especial sobre “A mídia e o golpe militar de 1964” extraído do blog do Altamiro
Borges, mostrando como a mídia brasileira aderiu em massa ao golpe de Estado.
Creio que essa postagem seja interessante por dois motivos: 1) por mostrar o
reflexo que teve o golpe nos meios de comunicação – que, inevitavelmente, criam
opinião – e como o governo Jango era visto pela elite; 2) para notarmos o
quanto a mídia de hoje não difere tanto da mídia de 49 anos atrás.
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