Pular para o conteúdo principal

O Chile hoje: 40 anos depois do golpe

     Quarenta anos se passaram desde 1973 quando o Palácio de La Moneda foi bombardeado pelo Exército sob o comando do general Augusto Pinochet que implantou no país uma ditadura que deteve o poder por 17 anos.


     De lá pra cá muita coisa mudou, mas as figuras de Salvador Allende e Augusto Pinochet permanecem vivas no imaginário político do país.

     Na primeira eleição democrática, o democrata-cristão Patricio Aylwin foi eleito e deu início aos trabalhos da Comissão da Verdade para investigar as violações dos direitos humanos ocorridos durante a ditadura de Pinochet. Em 1994, um outro democrata-cristão, Eduardo Frei Ruiz-Tagle (filho do ex-presidente Eduardo Frei) assumia o poder.

     Em 2000, foi a vez do Partido Socialista assumir o poder com o acadêmico e diplomata Ricardo Lagos Escobar, um conhecido opositor de Pinochet. Em 2006, a ex-ministra da Saúde e ex-ministra da Defesa do governo socialista era eleita presidente: Michelle Bachelet. A ligação de Bachelet com a oposição a Pinochet era ainda mais estreita: seu pai, o general Alberto fora preso logo após o golpe de Estado acusado de traição à pátria (pois não aceitou a deposição de Allende) e morreu na prisão, em 1973. No ano seguinte, Michelle e sua mãe foram presas e torturadas pelo regime autoritário. Em 1975, após um ano na prisão, Bachelet e sua mãe foram para o exílio na Europa. 

     Bachelet era a presidente quando Pinochet morreu e ela não lhe deu honras de Chefe de Estado nem decretou luto oficial. Ao funeral do ex-ditador, Bachelet enviou como representante do governo a ministra da Defesa Viviane Blanlot. Do lado de fora do funeral, movimentos populares organizaram um ato em homenagem ao ex-presidente socialista Salvador Allende. De qualquer modo, cerca de 60.000 pessoas participaram do funeral de Pinochet. 

     De certa maneira, a morte de Pinochet expôs a polarização política chilena, ainda pautada pela divisão entre os partidários de Pinochet e de Allende. As eleições de 2013 reforçaram essa polarização. As duas principais candidatas eram Michelle Bachelet (ex-presidente socialista) e Evelyn Mattei (filha de um ex-ministro de Pinochet).

     A vitória de Bachelet com 62% dos votos, porém, não está ligada somente a persistência da memória histórica do povo chileno. Sebastián Piñera, presidente anterior, forjada em sua campanha a imagem de um empresário e executivo de sucesso com grande promessa de renovação. Todavia, Piñera deixou o poder com alto índice de reprovação abrindo caminho para o retorno de Bachelet - bem avaliada ao deixar seu mandato e recém saída de uma bem-sucedida atuação internacional como Diretora Geral da ONU Mulheres. O grande erro de Piñera foi propor uma reforma educacional que causaria ainda mais impactos na educação já altamente elitizada do país, o que levou os jovens chilenos às ruas em 2011 e jogou sua popularidade na lama.

     Enfim, quarenta anos após o golpe que derrubou o governo de Allende, o Chile ainda vê no poder um revezamento entre esquerda e direita. Lógico que seria ingenuidade pensar que apenas a memória histórica persiste gerando tal polarização, mas ela ainda é viva na população chilena. Em pesquisa recente, com 1,2 mil chilenos, 18% ainda concordam com Pinochet e sua ditadura, enquanto 63% acreditam que o golpe destruiu a democracia. Vejamos nas próximas eleições se a população chilena mantém tal polarização...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Povoamento Inicial do Rio Grande do Sul: a Colonização Açoriana

Antes, um parêntese sobre o processo de apropriação de terras       As terras eram concedidas por meio de sesmarias e datas, que eram porções do território entregues pela Coroa aos súditos com a obrigação de povoar e cultivar a terra. Esse sistema, já vigente em Portugal desde 1375, foi estendido às colônias ultramarinas visando garantir o povoamento do território e a delimitação das fronteiras. Foi a partir de 1750 que ocorreu uma certa intensificação das concessões. Aqui no Continente de São Pedro (Rio Grande do Sul colonial) o povoamento geral intensificou-se após 1764. Foi nesse ano que o Cel. José Custódio de Sá e Faria assumiu o governo do Continente com árduas tarefas: estabelecer os açorianos, cumprir a entrega das concessões prometidas, controlar os índios, eliminar a escravidão indígena, capacitar as defesas (construção de fortins no rio Taquari) e fomentar a agricultura (incentivo ao cultivo de trigo e de linho-cânhamo). Devido à invasão espanhola à...

A Direita na Europa

Se a América Latina tem seguido o rumo a esquerda, a Europa vai à direita. É o que se tem observado com o crescimento dos partidos de direita no Velho Mundo. Em postagem recente, trabalhei os conceitos de esquerda e direita e, sim, eles existem hoje e são perceptíveis. É verdade que a direita na Europa tem procurado se "modernizar" para conquistar a maioria dos eleitores. E, com a crise econômica mundial de 2008, houve a consolidação dessa tendência de "direitização europeia". Isso já ocorreu na crise de 1929, quando os governos de direita ganharam força depois da crise com Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália, por exemplo. Calma, isso não quer dizer que a Europa esteja a beira de u m novo nazismo. Não é para tanto! Mas a crise faz com que o eleitorado opte por governos tradicionais, conservadores, com os quais saibam que não haverá mudanças de rumos e tudo seguirá como está e talvez até melhore. De acordo com o escritor e jornalista Álvaro Vargas Llosa, "a...

Guerra da Cisplatina

     Quem tem acompanhado a série de postagens sobre a história do Rio Grande do Sul já deve ter notado que é impossível entendê-la dissociada do contexto da Bacia do Prata. É inegável a ligação da região - que hoje equivalem ao Uruguai e a Argentina - à formação histórica do RS. O próprio personagem do gaúcho tradicionalista é um misto de argentino, uruguaio, índio, negro, português e espanhol - não necessariamente nessa ordem. Ou seja, o gaúcho é fruto de toda essa "mistura" cultural, social, étnica e política.      A situação já tumultuada da região ficou mais intensa após a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808. Com a família real no Brasil, a metrópole interiorizou-se na colônia, promovendo maior centralização do poder decisório e acentuou-se a atração exercida pela região da Cisplatina. Antes de mais nada, vamos comparar o território do Brasil de 1709 com o Brasil de 1821, nos mapas abaixo: 1709 ...